segunda-feira, 20 de maio de 2019

Crítica – The Good Fight: 3ª Temporada


Análise Crítica – The Good Fight: 3ª Temporada


Review – The Good Fight: 3ª TemporadaQuando escrevi sobre as duas temporadas anteriores de The Good Fight, mencionei o aspecto combativo da série, de como ela não tinha papas na língua em falar de questões espinhosas de cunho social e político contemporâneos. A questão é que nessa terceira temporada toda essa combatividade acaba soando um pouco sensacionalista demais, principalmente quando mira diretamente na administração Trump, e muito cheio de si, como se a série tivesse certeza de que seu conteúdo será decisivo para derrubar o presidente ou garantir que ele não se reeleja.

Na trama, Kurt (Gary Cole), marido de Diane (Christine Baranski), acaba aceitando um cargo na atual administração, para a decepção de Diane, que teme que o marido esteja sendo usado como bobo da corte por Trump. Ao mesmo tempo a firma de Diane se envolve em um processo contra o inescrupuloso advogado Roland Blum (Michael Sheen), disposto a vencer mesmo tendo que mentir.

Como é de costume, a série trata de temas complexos como o racismo e a ascensão de grupos fascistoides. O episódio no qual Lucca (Cush Jumbo) é tratada primeiro como babá e depois como criminosa por estar andando na rua com o filho, que é branco, é um bom exemplo de como manifestações de racismo que podem parecer inicialmente inofensivas (confundi-la com uma babá) rapidamente escalam para algo perigoso.

Do mesmo modo, um episódio posterior mostra Jay (Nyambi Nyambi) enfrenta um grupo de neonazistas e a série argumenta com consistência que certos discursos (como o dos nazistas) não merecem a visibilidade da esfera pública porque dar visibilidade a eles é legitimá-los, é dizer que o ponto de vista deles é igual a qualquer outro. É uma questão que não é simples, mas o texto entende bem a noção do “paradoxo da tolerância”, no sentido de que se tolerarmos a difusão de ideias indubitavelmente intolerantes seremos devorados por essa intolerância.

Temas como machismo e discriminação racial no ambiente de trabalho são abordados quando a série se debruça sobre a dinâmica de funcionamento da firma no qual as personagens trabalham e a série reconhece que não há uma resolução fácil para esses temas já que existem diferentes tipos e níveis de discriminação acontecendo ao mesmo tempo (de cor, classe, gênero, etc). O episódio final ainda usa Lucca para discutir a polêmica questão do colorismo, com Lucca sendo preterida em uma promoção por ter um tom de pele mais claro, não sendo “negra o bastante” para representa uma firma de negros. O texto transita com cuidado pelas ambiguidades da questão, reconhecendo o quão absurdo esse discurso pode soar, mas ao mesmo tempo atenta como Lucca transita muito mais fácil entre brancos e se conecta mais fácil com eles.

Todo esse cuidado e ambiguidade, porém, desaparecem quando a série aborda temas diretamente relacionados com o governo Trump, constantemente adotando um tom alarmista de “fim dos tempos” ou tentando transformar a série em uma trama de intrigas ou espionagem ao fazer Diane arregimentar uma “resistência”. Claro, a tal resistência serve para mostrar os perigos de se rebaixar a usar as mesmas estratégias do atual governo para tentar derrotá-lo, sacrificando a autoridade moral por eficácia e assim se igualando àqueles que você se opõe. A questão é que isso fica claro desde os primeiros episódios, mas a temporada adota uma lógica repetitiva para esse arco, com Diane se afastando do grupo por achar que elas foram “longe demais”, apenas para depois retornar a eles quando um novo problema surge e assim sucessivamente.

Quando escrevi sobre a temporada anterior, mencionei que havia um tom relativamente farsesco nesse viés da espionagem, como se a série reconhecesse o absurdo de tudo isso, mas aqui toda a questão da “resistência” é levada completamente a sério e destoa do restante do material.

Há também o problema das incessantes menções a pessoas e eventos reais do governo Trump que me fazem pensar sobre a sobrevivência à longo prazo da série. Afinal, esses episódios continuarão a ter impacto quando os revisitarmos anos depois de Trump já ter deixado o poder? Outra questão é: o que a série vai fazer depois que Trump sair da presidência (e há chance disso acontecer ano que vem) e eles perderem seu saco de pancadas? Vão simplesmente pendurar as chuteiras e encerrar a série? Como falei antes, talvez fosse melhor construir um discurso em cima de símbolos e metáforas, criticando o autoritarismo e desonestidade de governos em termos mais gerais.

Em alguns momentos, inclusive, há a impressão de que a série tenta construir como verdade coisas que estão no mero reino da conjectura, a exemplo do episódio envolvendo um possível divórcio da Melania Trump. Claro, a série deixa ambíguo se era ou não a Melania real conversando com Lucca, mas ainda assim, qual o ponto de tudo aquilo? A verdade é que ninguém tem como saber se Melania é ou não refém do marido e saber essa informação não serve para muita coisa em termos de construir uma oposição a Trump, então todo o episódio soa como uma imensa perda de tempo.

O pior problema são os “curtas animados” que aparecem em meio aos episódios. Esses segmentos encapsulam toda a empáfia e boçalidade da atual temporada, bem como seu senso de absoluta superioridade intelectual sobre quem quer que seja. Os curtas tentam mastigar conceitos e histórias de maneira acessível e engraçadinha, mas a questão é que eles não explicam nada de realmente complexo ou difícil. Coisas como a noção de um “acordo de não divulgação” ou a história de Roy Cohn podiam ser ditas em uma ou duas linhas de diálogo, mas a série subestima tanto a inteligência de seu público e se acha tão superior que pensa que literalmente precisa desenhar suas ideias para se fazer entender.

Isso fica terrivelmente claro no final da temporada, quando Diane recorre a desenhos para fazer um beócio juiz entender seus argumentos sobre justa compensação. Considerando que o traço dos desenhos usados pela personagem são os mesmos dos curtas, há uma incômoda relação no modo como a personagem trata o juiz e como a série trata seu público.

É, no entanto, graças ao carisma dos personagens que a série se sustenta. Isso vai desde o afeto genuíno entre Kurt e Diane apesar de suas divergências políticas, passando pela personalidade Marissa (Sarah Steele) ou das tentativas de Lucca de assumir uma nova posição no trabalho. Como de costume desde The Good Wife, a série também brilha na criação de excêntricos personagens coadjuvantes e nessa temporada o destaque fica por conta do ardiloso Roland Blum, vivido por Michael Sheen com uma alegria maligna. Tal como o Mike Kresteva (Matthew Perry) de The Good Wife, Blum é aquele tipo de vilão que dá gosto de odiar, tão ardiloso, escorregadio e desonesto que ele é.

O elo fraco acaba sendo o arco de Maia (Rose Leslie), em especial a maneira como ele encerra. É compressível que ela tenha resolvido se aliar a Blum, afinal ela estava presa a um emprego sem futuro e uma carreira estagnada, mas a extrema lealdade dela em relação ao trapaceiro advogado não soa devidamente bem construída. A personagem chega a falar algo sobre ele ser previsível e por sempre saber exatamente o que ele fará em oposição às constantes intrigas e reviravoltas na firma de Diane, mas ainda assim é estranho ver uma personagem que sempre lutou contra a mácula da desonestidade do pai (inclusive deixando de usar o sobrenome Rindell) aceite tão fácil trabalhar para alguém tão inescrupuloso. Eu entendo a decisão de Maia de não voltar para Diane, considerando que Maia já estava farta de toda a politicagem da firma, mas não soa devidamente merecida a escolha dela em se tornar uma acólita de Blum.

A terceira temporada de The Good Fight continua acertando na sua cuidadosa construção de debates ao redor de temas espinhosos e no carisma de seus personagens, mas passa do ponto em seu discurso político.

Nota: 7/10


Trailer

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