quarta-feira, 22 de maio de 2019

Rapsódias Revisitadas – Ao Abismo: Um Conto de Morte, Um Conto de Vida


Análise Crítica – Ao Abismo: Um Conto de Morte, Um Conto de Vida


Review – Ao Abismo: Um Conto de Morte, Um Conto de Vida
Tanto em sua produção documental quanto ficcional, o cineasta Werner Herzog se interessa por sujeitos em situações-limite. Em pessoas tendo que lidar com decisões ou consequências que a maioria de nós não precisa conviver e que por vezes julgamos com muita facilidade. Isso se aplica a este Ao Abismo: Um Conto de Morte, Um Conto de Vida, no qual ele analisa a questão da pena de morte nos Estados Unidos e como isso afeta todos os envolvidos, do condenado à morte, passando pelos familiares das vítimas e os agentes penitenciários que trabalham diretamente com as execuções.

A narrativa é focada em Michael Perry, condenado a morte por triplo homicídio. Quando o filme começa e Herzog entrevista Perry pela primeira vez, ele está a uma semana de sua execução. O diretor poderia tentar humanizar o personagem para tentar fazer o público se compadecer por ele, visto que Herzog é notoriamente contrário a pena de morte. Outra coisa pela qual Herzog é conhecido é por sua honestidade brutal e ele a exibe já em seu primeiro contato com Perry, dizendo que não gosta dele, que não o acha inocente, mas que ainda o respeita em um nível humano ao ponto de não achar que ele deveria ser executado.

Se depois da primeira entrevista o espectador possui qualquer dúvida sobre a culpa de Perry, Herzog as destrói logo na cena posterior, mostrando não só a torrente de evidências contra ele, mas as imagens da sangrenta cena do crime e depoimentos de policiais e conhecidos que narram o motivo fútil e cruel dos assassinatos: Perry matou três pessoas apenas para roubar um carro que achara bonito.

Herzog poderia ter escolhido qualquer outro condenado para basear seu filme, talvez até alguém com uma história mais trágica do que a de Perry, que sempre demonstra ser um psicopata sem empatia, mas ao escolher alguém claramente culpado o diretor cria ainda mais nuance para a questão moral e humana da pena de morte. Afinal, mesmo alguém como Perry merece ser executado?

Apesar do claro posicionamento de Herzog, principalmente para quem conhece mais a fundo a obra dele, esse não é um documentário expositivo que tenta montar uma estratégia retórica para mobilizar seu espectador contra a pena de morte. Herzog, costumeiramente mais assertivo em seus documentários, tanto por sua presença em cena quanto pela sua voz narrando as imagens, aqui assume uma postura menos presente diretamente. Ele aparece pouco visualmente em cena e a presença dele é sentida mais através de sua voz conforme ele faz perguntas aos seus entrevistados.

A impressão é que Herzog está mais interessado em ouvir a perspectiva daquelas pessoas diante de uma situação moralmente complexa do que em julgá-los ou avaliar a questão. Ele nos deixa com as experiências daquelas pessoas sobre vida e morte, sobre as famílias das vítimas foram afetadas pelos crimes de Perry ou a experiência que tiveram ao presenciar a execução dele. Do mesmo modo, ouvimos de um agente penitenciário seu relato de como pediu demissão do trabalho depois de conduzir mais de uma centena de execuções por estar experimentando episódios de estresse pós-traumático, tendo se tornado contrário à pena de morte depois disso.

Com voz serena, Herzog cutuca as feridas de seus entrevistados e faz perguntas difíceis a eles, mas que permitem que os sujeitos filmados expunham os sentimentos complexos e potentes que têm relação a tudo aquilo, suas dores, mágoas, arrependimentos, traumas, tudo é exposto de maneira bem seca e sem firulas estéticas ou retóricas, colocando o espectador na posição de ouvinte desses relatos poderosos. Ocasionalmente, Herzog comenta os absurdos envolvendo a execução, como o fato de que o detento precisa ser examinado e declarado saudável antes de ser executado, apontando a contradição de precisar se preocupar com a saúde da pessoa para poder matá-la, mas o foco é mesmo nas experiências pessoais e subjetivas dos sujeitos envolvidos.

Ao Abismo: Um Conto de Morte, Um Conto de Vida é um mergulho profundo e complexo em vidas irremediavelmente devastadas pela violência e as consequências com as quais essas pessoas precisam conviver. Um estudo sombrio sobre a experiência humana com a vida e morte de seus semelhantes.


Trailer

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