Em Encontros no Fim do
Mundo o diretor alemão Werner Herzog congrega juntos dois dos seus
principais interesses: natureza e pessoas em situações-limite. Quando escrevi
sobre Ao Abismo (2011), mencionei
como Herzog constantemente tratava de pessoas em situações impossíveis e com as
quais a maioria de nós nunca irá se defrontar e aqui ele volta a contar
histórias envolvendo situações limite ao filmar suas conversas com os
pesquisadores e funcionários da estação McMurdo, uma instalação de pesquisa
localizada no Polo Sul.
Herzog filma o Polo Sul como um lugar de finais e começos. O
final porque foi o último continente a ser tomado e ocupado pela raça humana,
representando, como ele próprio diz, o fim da aventura humana ao redor do
globo. Um fim que Herzog comenta com certa melancolia, apontando que talvez
fosse melhor deixar alguns pontos em branco no mapa, preservando o mundo da
interferência humana.
Essa ideia de que a natureza estaria melhor sem nós é
percebida desde os primeiros momentos do filme quando ele narra os desconfortos
da estação de pesquisa. Imaginamos que ele irá falar do frio ou dos poucos
recursos, mas para Herzog os incômodos vem do que ele chama de “aberrações” na
estação de pesquisa, como a existência de uma pista de boliche ou um estúdio de
aeróbica, como se essas banalidades humanas deformassem e pervertessem a beleza
e fascínio daquele lugar.
Por outro lado, o Polo Sul também é visto como um espaço de
começo, seja o do começo da vida ou da descoberta de novas espécies como
mostram alguns dos cientistas entrevistados, seja do começo de novas histórias
para aqueles que estão ali. Interessado em saber o que impulsionou muitos dos
trabalhadores que não trabalham diretamente com pesquisa, como motoristas ou
mecânicos, a estarem ali, Herzog colhe depoimentos curiosos daquelas pessoas.
Um exemplo é o banqueiro que largou seu emprego para ser voluntário de causas
humanitárias, outro é um sujeito que tinha rodado o mundo depois de fugir da
fome na antiga União Soviética, enquanto um dos mecânicos diz ser um membro de
uma antiga família real maia.
Herzog também reflete sobre nossa relação com a natureza e
outros seres humanos. Em uma conversa com um linguista que informa a quantidade
de línguas que desaparecem por ano. Herzog questiona a razão de existir tanto
esforço para preservar árvores e animais e tão pouco esforço para preservar a
própria humanidade, apontando a potência autofágica e autodestrutiva do ser
humano, que é capaz de tanta compaixão por bichos e tão pouca para seu
semelhante.
O diretor ainda pondera sobre representações da natureza
feitas por muitos filmes documentários. Já em uma narração inicial Herzog avisa
que não está indo ao Polo Sul fazer “mais um filme de pinguim”, provavelmente
uma referência ao filme A Marcha dos
Pinguins (2005), que anos antes tinha feito enorme sucesso ao construir uma
narrativa sobre a migração de um grupo de pinguins de maneira atropomorfizada,
apresentando o grupo como uma família de pai, mãe e filho, narrando o
comportamento dos animais a partir de analogias com humanos.
Herzog critica toda essa antropormorfização e o que ele
provavelmente vê como uma espécie de falseamento da natureza ao fazer seu
próprio segmento de pinguins neste filme. Aqui ele indaga um especialista em
pinguins se esses animais enlouquecem ou se são capazes de se prostituírem. Ao
registrar um grupo de pinguins, Herzog se detém sobre um único desgarrado,
narrando sobre como aquele animal está em uma jornada suicida. A ideia é
mostrar o absurdo de tentar antropomorfizar o comportamento desses animais ou
tentar compreendê-los sob a lógica humana ao invés de sua própria lógica.
O diretor também cria imagens de pura reverência e
fascinação pela natureza, mostrando cavernas gelo ou as incursões de um grupo
de mergulhadores sob um mar de superfície congela, filmando-os como se
estivessem flutuando no espaço. Ele se detêm também em alguns pequenos momentos
de pura beleza, como a formação de uma grande bolha de ar sob o gelo ou no
movimento de águas-vivas e outras criaturas marinhas.
Desta maneira, Encontros
no Fim do Mundo é uma poética reflexão sobre a humanidade, sua relação com
a natureza e com o próprio registro documental.
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