quinta-feira, 30 de maio de 2019

Rapsódias Revisitadas – Encontros no Fim do Mundo


Análise Crítica – Encontros no Fim do Mundo


Review – Encontros no Fim do Mundo
Em Encontros no Fim do Mundo o diretor alemão Werner Herzog congrega juntos dois dos seus principais interesses: natureza e pessoas em situações-limite. Quando escrevi sobre Ao Abismo (2011), mencionei como Herzog constantemente tratava de pessoas em situações impossíveis e com as quais a maioria de nós nunca irá se defrontar e aqui ele volta a contar histórias envolvendo situações limite ao filmar suas conversas com os pesquisadores e funcionários da estação McMurdo, uma instalação de pesquisa localizada no Polo Sul.

Herzog filma o Polo Sul como um lugar de finais e começos. O final porque foi o último continente a ser tomado e ocupado pela raça humana, representando, como ele próprio diz, o fim da aventura humana ao redor do globo. Um fim que Herzog comenta com certa melancolia, apontando que talvez fosse melhor deixar alguns pontos em branco no mapa, preservando o mundo da interferência humana.

Essa ideia de que a natureza estaria melhor sem nós é percebida desde os primeiros momentos do filme quando ele narra os desconfortos da estação de pesquisa. Imaginamos que ele irá falar do frio ou dos poucos recursos, mas para Herzog os incômodos vem do que ele chama de “aberrações” na estação de pesquisa, como a existência de uma pista de boliche ou um estúdio de aeróbica, como se essas banalidades humanas deformassem e pervertessem a beleza e fascínio daquele lugar.


Por outro lado, o Polo Sul também é visto como um espaço de começo, seja o do começo da vida ou da descoberta de novas espécies como mostram alguns dos cientistas entrevistados, seja do começo de novas histórias para aqueles que estão ali. Interessado em saber o que impulsionou muitos dos trabalhadores que não trabalham diretamente com pesquisa, como motoristas ou mecânicos, a estarem ali, Herzog colhe depoimentos curiosos daquelas pessoas. Um exemplo é o banqueiro que largou seu emprego para ser voluntário de causas humanitárias, outro é um sujeito que tinha rodado o mundo depois de fugir da fome na antiga União Soviética, enquanto um dos mecânicos diz ser um membro de uma antiga família real maia.

Herzog também reflete sobre nossa relação com a natureza e outros seres humanos. Em uma conversa com um linguista que informa a quantidade de línguas que desaparecem por ano. Herzog questiona a razão de existir tanto esforço para preservar árvores e animais e tão pouco esforço para preservar a própria humanidade, apontando a potência autofágica e autodestrutiva do ser humano, que é capaz de tanta compaixão por bichos e tão pouca para seu semelhante.

O diretor ainda pondera sobre representações da natureza feitas por muitos filmes documentários. Já em uma narração inicial Herzog avisa que não está indo ao Polo Sul fazer “mais um filme de pinguim”, provavelmente uma referência ao filme A Marcha dos Pinguins (2005), que anos antes tinha feito enorme sucesso ao construir uma narrativa sobre a migração de um grupo de pinguins de maneira atropomorfizada, apresentando o grupo como uma família de pai, mãe e filho, narrando o comportamento dos animais a partir de analogias com humanos.

Herzog critica toda essa antropormorfização e o que ele provavelmente vê como uma espécie de falseamento da natureza ao fazer seu próprio segmento de pinguins neste filme. Aqui ele indaga um especialista em pinguins se esses animais enlouquecem ou se são capazes de se prostituírem. Ao registrar um grupo de pinguins, Herzog se detém sobre um único desgarrado, narrando sobre como aquele animal está em uma jornada suicida. A ideia é mostrar o absurdo de tentar antropomorfizar o comportamento desses animais ou tentar compreendê-los sob a lógica humana ao invés de sua própria lógica.

O diretor também cria imagens de pura reverência e fascinação pela natureza, mostrando cavernas gelo ou as incursões de um grupo de mergulhadores sob um mar de superfície congela, filmando-os como se estivessem flutuando no espaço. Ele se detêm também em alguns pequenos momentos de pura beleza, como a formação de uma grande bolha de ar sob o gelo ou no movimento de águas-vivas e outras criaturas marinhas.

Desta maneira, Encontros no Fim do Mundo é uma poética reflexão sobre a humanidade, sua relação com a natureza e com o próprio registro documental.

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