De volta ao seu formato de apenas três episódios por
temporada (as duas anteriores, produzidas pela Netflix, tinham seis), este
quinto ano de Black Mirror é uma
espécie de “volta às origens” em mais de um sentido. Muita gente considera que Black Mirror é uma série sobre os males
da tecnologia e sobre o futuro, mas eu considero equivocadas as duas asserções.
Se olharmos as duas primeiras temporadas e episódios como Toda a sua História, Hino
Nacional ou Volto Já, eram menos
sobre o poder destrutivo da tecnologia e mais como esses recursos são mais um
veículo para neuroses e inquietações humanas que provavelmente existem desde a
origem da nossa espécie. Esses episódios também falam sobre coisas que já
vivemos hoje e não do que viveremos, da sociedade em panóptico graças a meios
digitais, da espetacularização da polícia ou como a internet não permite que
nada morra de verdade.
Essa quinta temporada de Black
Mirror volta ao espírito dos primeiros episódios ao focar mais nas questões
humanas do que em distopias ou em gadgets
estranhas. O primeiro episódio, Striking
Vipers, trata de dois amigos de faculdade (interpretados por Anthony Mackie
e Yahya Abdul-Mateen) que se reaproximam anos depois através de um jogo de
realidade virtual. A questão de avatares no mundo virtual serve menos para
falar de tecnologia e mais sobre os tabus de sexualidade impostos pela
sociedade.
Ao se encontrarem no jogo, no qual um deles usa um avatar
feminino, eles não tem qualquer receio ou problema em fazerem sexo. É como se a
reordenação da dinâmica entre eles para uma estrutura heteronormativa (e parte
da nossa sociedade ainda pensa qualquer coisa diferente da heterossexualidade
como algo aberrante) tornasse mais palatável o envolvimento físico e afetivo
entre os dois, mesmo que no mundo real continuem sem conseguir se relacionar
justamente por ainda estarem presos a esses padrões heteronormativos ao invés
de admitirem que a sexualidade é muito mais fluida e opera em espectros ao
invés dos binarismos propostos pelo senso comum.
O segundo episódio, Smithereens,
trata de nossa obsessão por redes sociais a partir de uma tensa situação
envolvendo um motorista de aplicativo (Andrew Scott) que toma o estagiário de
um empresa digital como refém. O episódio é bastante eficiente em construir o suspense
da situação e as reviravoltas que vão surgindo conforme aprendemos mais sobre
os motivos do protagonista. Andrew Scott já tinha mostrado que é perfeitamente
capaz de viver um sujeito inteligente e perturbado com seu Moriarty na série Sherlock e aqui adiciona camadas de
desamparo e vulnerabilidade a essa instabilidade.
O episódio mostra como essas corporações de rede social, por
conta da necessidade de crescerem como um negócio e manterem seus usuários
engajados, se tornou algo muito maior do que qualquer programador que
individualmente trabalhe nessas plataformas. Os algoritmos que governam o
funcionamento dessas redes praticamente trabalham à nossa revelia, estimulando
nossos instintos, curiosidade e anseios. Desta maneira, são novamente as falhas
e fraquezas humanas que guiam a natureza destrutiva desse meio digital, que é
apenas mais um veículo, de tantos outros, usados pelas estruturas de poder para
alienar a população.
O terceiro e último episódio, Rachel, Jack e Ashley Too, por outro lado, é o mais fraco da
temporada. Ele demora a apresentar seu conflito principal e transita entre
algumas narrativas diferentes até definir seu foco temático. Até chegar à sua
metade, ficamos em dúvida se ele trata sobre a solidão e como nessa solidão as
pessoas desenvolvem relacionamentos com máquinas ou se fala da industrialização
da arte. É somente na sua metade final que a trama consegue amarrar os dois
arcos do episódio, finalmente exibindo aquele que parece ser seu tema de
interesse que é o modo como a indústria cultural reduz pessoas a produtos.
Claro, já víamos desde o início que a empresária da cantora Ashley
O (Miley Cyrus) usava medicamentos
para mantê-la sob controle e mantendo a persona
midiática que construiu para a artista, mas é a partir do momento que
Ashley entra em coma que fica mais evidente o modo como o indivíduo é reduzido
a um produto. O modo como as máquinas extraem melodias do cérebro de Ashley é
quase uma metáfora para a maneira com a qual a indústria do entretenimento
trata os artistas como “vacas leiteiras” a terem seus talentos ordenhados até
não sobrar nada e seus corpos poderem ser descartados.
Assim, esta quinta temporada de Black Mirror pode não oferecer nada de exatamente novo ou
surpreendente, mas ainda assim é uma exploração competente de como a tecnologia
serve como um veículo para transparecer ou exacerbar os problemas humanos.
Nota: 8/10
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