sexta-feira, 7 de junho de 2019

Crítica – Black Mirror: 5ª Temporada


Análise Crítica – Black Mirror: 5ª Temporada


Review – Black Mirror: 5ª Temporada
De volta ao seu formato de apenas três episódios por temporada (as duas anteriores, produzidas pela Netflix, tinham seis), este quinto ano de Black Mirror é uma espécie de “volta às origens” em mais de um sentido. Muita gente considera que Black Mirror é uma série sobre os males da tecnologia e sobre o futuro, mas eu considero equivocadas as duas asserções. Se olharmos as duas primeiras temporadas e episódios como Toda a sua História, Hino Nacional ou Volto Já, eram menos sobre o poder destrutivo da tecnologia e mais como esses recursos são mais um veículo para neuroses e inquietações humanas que provavelmente existem desde a origem da nossa espécie. Esses episódios também falam sobre coisas que já vivemos hoje e não do que viveremos, da sociedade em panóptico graças a meios digitais, da espetacularização da polícia ou como a internet não permite que nada morra de verdade.

Essa quinta temporada de Black Mirror volta ao espírito dos primeiros episódios ao focar mais nas questões humanas do que em distopias ou em gadgets estranhas. O primeiro episódio, Striking Vipers, trata de dois amigos de faculdade (interpretados por Anthony Mackie e Yahya Abdul-Mateen) que se reaproximam anos depois através de um jogo de realidade virtual. A questão de avatares no mundo virtual serve menos para falar de tecnologia e mais sobre os tabus de sexualidade impostos pela sociedade.

Ao se encontrarem no jogo, no qual um deles usa um avatar feminino, eles não tem qualquer receio ou problema em fazerem sexo. É como se a reordenação da dinâmica entre eles para uma estrutura heteronormativa (e parte da nossa sociedade ainda pensa qualquer coisa diferente da heterossexualidade como algo aberrante) tornasse mais palatável o envolvimento físico e afetivo entre os dois, mesmo que no mundo real continuem sem conseguir se relacionar justamente por ainda estarem presos a esses padrões heteronormativos ao invés de admitirem que a sexualidade é muito mais fluida e opera em espectros ao invés dos binarismos propostos pelo senso comum.

O segundo episódio, Smithereens, trata de nossa obsessão por redes sociais a partir de uma tensa situação envolvendo um motorista de aplicativo (Andrew Scott) que toma o estagiário de um empresa digital como refém. O episódio é bastante eficiente em construir o suspense da situação e as reviravoltas que vão surgindo conforme aprendemos mais sobre os motivos do protagonista. Andrew Scott já tinha mostrado que é perfeitamente capaz de viver um sujeito inteligente e perturbado com seu Moriarty na série Sherlock e aqui adiciona camadas de desamparo e vulnerabilidade a essa instabilidade.

O episódio mostra como essas corporações de rede social, por conta da necessidade de crescerem como um negócio e manterem seus usuários engajados, se tornou algo muito maior do que qualquer programador que individualmente trabalhe nessas plataformas. Os algoritmos que governam o funcionamento dessas redes praticamente trabalham à nossa revelia, estimulando nossos instintos, curiosidade e anseios. Desta maneira, são novamente as falhas e fraquezas humanas que guiam a natureza destrutiva desse meio digital, que é apenas mais um veículo, de tantos outros, usados pelas estruturas de poder para alienar a população.

O terceiro e último episódio, Rachel, Jack e Ashley Too, por outro lado, é o mais fraco da temporada. Ele demora a apresentar seu conflito principal e transita entre algumas narrativas diferentes até definir seu foco temático. Até chegar à sua metade, ficamos em dúvida se ele trata sobre a solidão e como nessa solidão as pessoas desenvolvem relacionamentos com máquinas ou se fala da industrialização da arte. É somente na sua metade final que a trama consegue amarrar os dois arcos do episódio, finalmente exibindo aquele que parece ser seu tema de interesse que é o modo como a indústria cultural reduz pessoas a produtos.

Claro, já víamos desde o início que a empresária da cantora Ashley O (Miley Cyrus) usava medicamentos para mantê-la sob controle e mantendo a persona midiática que construiu para a artista, mas é a partir do momento que Ashley entra em coma que fica mais evidente o modo como o indivíduo é reduzido a um produto. O modo como as máquinas extraem melodias do cérebro de Ashley é quase uma metáfora para a maneira com a qual a indústria do entretenimento trata os artistas como “vacas leiteiras” a terem seus talentos ordenhados até não sobrar nada e seus corpos poderem ser descartados.

Assim, esta quinta temporada de Black Mirror pode não oferecer nada de exatamente novo ou surpreendente, mas ainda assim é uma exploração competente de como a tecnologia serve como um veículo para transparecer ou exacerbar os problemas humanos.

Nota: 8/10

Trailer

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