sexta-feira, 28 de junho de 2019

Crítica – Divino Amor


Análise Crítica – Divino Amor


Review – Divino Amor
Brasil, 2027, apesar de ainda se declarar um estado laico, o país se tornou um lugar teocrático, no qual todos precisam frequentar igrejas, casar e ter filhos. Scanners na entrada de qualquer revelam o estado civil de cada um que entra, bem como se uma mulher está grávida e quem é o pai. Drive thrus de oração garantem que as pessoas ainda possam ouvir a palavra divina mesmo no caminho para casa ou para o trabalho. Esse é o prognóstico de futuro feito pelo diretor Gabriel Mascaro em Divino Amor, filme feito lá em 2017, antes do último período eleitoral e do que está acontecendo hoje no país, mas que não soa muito distante da realidade frente a tudo que está acontecendo.

A trama é centrada em Joana (Dira Paes), uma funcionária de cartório que lavra divórcios. Crente verdadeira em todo o discurso religioso que varre o país, Joana tenta convencer todos que chegam a não se divorciarem, levando-os a participar da igreja da qual faz parte: a Divino Amor. Lá, há uma espécie de terapia religiosa de casais que inclui até a prática de swing, com os casais trocando de parceiro durante a transa, embora não seja permitido que nenhum homem ejacule em uma mulher que não seja a sua esposa. Joana e o marido, Danilo (Júlio Machado, do ótimo A Sombra do Pai) estão desesperadamente tentando ter um filho, mas não conseguem. Quando Joana milagrosamente fica grávida e descobre que o bebê não carrega consigo o DNA de nenhum homem registrado, ela começa a enfrentar a desconfiança da sociedade.

O universo concebido pelo filme consegue soar simultaneamente futurista e contemporâneo, com dispositivos tecnológicos (como os scanners nas portas dos prédios) e luzes neon intensas que dão a impressão de algo avançado, ao mesmo tempo que traz elementos familiares o suficiente para parecer próximo da nossa realidade e algo possível de acontecer.

A trama vai aos poucos exibindo para nós o funcionamento daquela sociedade, como o fato de que as pessoas não crentes são estigmatizadas e consideradas como “desgarrados” ou que bebês sem um pai registrado são abandonados em orfanatos, denotando o caráter patriarcal do lugar. Do mesmo modo, aos poucos também vamos percebendo como as igrejas evangélicas, em especial as que tratam a fé como um produto a ser comprado e vendido, dominam aquela sociedade. O carnaval foi substituído por uma espécie de rave gospel e carros passam em um drive thru de pregação para se aconselharem com um pastor.

Fica evidente que este é um universo no qual a fé não é um instrumento de edificação dos indivíduos, feito para estimular o cuidado com o outro, o amor ao próximo, a aceitação ou a tolerância. Neste Brasil do futuro (e talvez no do presente) a fé é um produto, um instrumento de poder, de controle social, uma maneira de colocar as pessoas em caixinhas e jogar fora aqueles que não querem ou não podem se encaixar. Qualquer um que não siga os preceitos religiosos ou diga algo que vá contra eles é imediatamente excluído e desacreditado, como mostra a jornada de Joana.

Dira Paes faz de sua personagem alguém que verdadeiramente acredita em todo o discurso religioso ao seu redor ao ponto de não ver problema em interferir nos processos de divórcio que chegam na mesa dela. Afinal, na cabeça da personagem o ser humano existe para casar e ter filhos, então preservar o casamento e a família seria algo natural. A fé de Joana é colocada em questão quando ela descobre que o filho que carrega no ventre não tem DNA de homem algum. Enquanto a protagonista conclui estar diante de um milagre, todos ao seu redor desconfiam dela e a tratam como uma mentirosa ou adúltera.

A situação de Joana serve para desvelar como a superfície amorosa desses religiosos esconde pessoas intolerantes e hipócritas, que estão preocupadas demais com seu status social e seguir normas arbitrárias do que estarem abertas ao diálogo com o divino ou à percepção de possíveis milagres. Em essência Mascaro constrói aqui um Brasil tomado por falsos moralismos no qual aqueles que mais exclamam estar próximos de Deus não são capazes de reconhecer a presença Dele quando tem a chance, uma religiosidade hipócrita que serve apenas para controlar a vida das pessoas, os corpos das mulheres e manter a estrutura social do jeito que está sem espaço para questionamento. Um tipo de dogmatismo religioso tão distante do ideal cristão que excluiriam Cristo e o tratariam como herege se retornasse na contemporaneidade. Enfim, um Brasil não muito distante do contexto atual.

Divino Amor é uma contundente distopia sobre a religiosidade de varejo que tem avançado no Brasil nos últimos anos e as possíveis consequências desse fenômeno.

Nota: 8/10


Trailer

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