Depois da fraca segunda temporada, não estava esperando
muita coisa desta terceira e última temporada de Jessica Jones. O que encontrei, no entanto, foi um competente
estudo sobre trauma e moralidade que aprofunda o que conhecíamos sobre os
personagens.
A trama começa quando Jessica (Krysten Ritter) conhece o
chantagista Erik (Benjamin Walker), um sujeito com a estranha capacidade de
sentir a maldade das pessoas e que usa seus dons para chantagear criminosos.
Quando uma das vítimas de Erik fere Jessica enquanto tenta matá-lo, a detetive
decide ajudar Erik a descobrir quem é a ameaça. Na busca, Jessica se depara com
o perigoso serial killer Gregory
Sallinger (Jeremy Bobb), um sujeito astuto e engenhoso que mesmo sem poderes
representa uma grande ameaça para a detetive. Ao mesmo tempo, Trish (Rachael
Taylor) começa a por em uso seus novos poderes, tentando iniciar uma jornada
como vigilante.
Se na temporada anterior a trama demorava a delinear seu
conflito principal, aqui as coisas engrenam muito mais rápido. Ainda sofre do
típico “inchaço da Netflix”, perdendo um pouco de fôlego quando passa da metade
e parecendo que seria melhor com uns dois episódios a menos, mas ainda assim é
um ritmo melhor do que o segundo ano da série. Outro problema é a conveniência
dos poderes de Erik, que na maior parte do tempo funciona mais como um
dispositivo de roteiro do que como um personagem plenamente realizado.
Sallinger se mostra um ótimo antagonista, sempre um passo a
frente de Jessica e constantemente representando uma clara ameaça para a
heroína. Sallinger é um sujeito que detesta pessoas com poderes especiais, que
considera uma vantagem injusta, tentando provar que alguém como ele, que
estudou e trabalhou para conseguir as habilidades e conhecimentos que possui,
como sendo capaz de punir aqueles com poderes e revelar esses pretensos heróis
como fraudes. De certa forma o personagem funciona como uma versão mais pobre
de Lex Luthor, alguém com uma inteligência extrema e que se ressente dos
poderes dos super-heróis por eles o fazerem se sentir inferior.
As condutas de Erik, Sallinger e Trish colidem
constantemente, levando Jessica a ponderar a moralidade das próprias ações e o
que significaria “fazer a coisa certa” em um ambiente no qual certo e errado
existem em uma zona cinzenta e não são tão claramente definidos. Jessica Jones sempre flertou com o noir, mas ao colocar no centro de sua
narrativa uma detetive cínica e desencantada que tenta manter um mínimo de
honra em um espaço tomado por violência e corrupção, a série entra com os dois
pés nesse terreno.
Os personagens da série sempre foram construídos como
pessoas devastadas, traumatizadas e quebradas. Pessoas desesperadamente em
busca de reparação por erros do passado ou superação de traumas. O problema é
que muitas vezes o texto não dava o contexto ou motivação adequada a essas
ações e os personagens acabam soando como idiotas volúveis. Essa temporada
trabalha isso com melhor habilidade, em especial no que se refere a Malcolm (Eka
Darville) e Trish.
No final da segunda temporada Trish se comportava como uma
boçal insuportável, mas aqui, graças a dois episódios (o segundo e o décimo
primeiro) quase que completamente centrados na personagem, compreendemos melhor
o desespero dela em corrigir injustiças e provar o próprio valor. Ao vermos a
infância de Trish, percebemos como desde pequena a mãe da personagem incutiu
nela um senso delirante de responsabilidade e grandiosidade, traços de
personalidade que são amplificados pela obtenção de poderes.
Essa certeza de que está sempre do lado certo e por isso
tudo que faz, não importa o quão terrível ou violento, se justifica é o que
acaba colocando Trish em rota de colisão com Jessica. É uma trama com certo
viés trágico, já que Trish é verdadeiramente movida por boas intenções, ainda
que não perceba que está trilhando um caminho sem volta até ser tarde demais.
Por outro lado, o arco de Jeri (Carrie Anne-Moss) acaba por
repetir os mesmos problemas de temporadas anteriores ao ter uma personagem
agindo por pura estupidez que não se relaciona com a personalidade desenvolvida
até aqui. Sim, a trama aponta como ela está determinada a qualquer coisa para
preservar o próprio legado e mostrar a força de sua empresa de advocacia, mas
ainda assim defender um serial killer perigoso
que Jessica, alguém que ela respeita e confia, já lhe alertou que representa
uma ameaça soa simplesmente estúpido da parte dela.
Afinal, na primeira temporada, Jeri também tentou tirar
vantagem de um psicótico instável ao tentar libertar Kilgrave (David Tennant) e
as coisas ficaram ruins para ela. Será que a personagem não aprendeu nada com o
passar dos anos? Isso sem falar que as acusações de um rival morto contra Jeri
acabam tendo pouca repercussão na narrativa.
A temporada ainda encontra tempo para tentar sutilmente
amarrar algumas pontas soltas da relação entre Jessica e Luke Cage (Mike
Colter), que aparece brevemente no episódio final, dando um senso de
encerramento ao herói do Harlem que ele não encontrou em sua própria série,
cancelada antes de ter um final propriamente dito. Algo que, a essa altura,
provavelmente não acontecerá com Danny Rand, citado brevemente na temporada,
mas cujo gancho da segunda temporada de Punho de Ferro provavelmente não será explorado.
Assim, a terceira temporada de Jessica Jones é um competente final para a série e para a jornada
de aceitação de sua protagonista que finalmente compreende o sentido de ser uma
heroína.
Nota: 8/10
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