A minissérie Chernobyl
fala sobre eventos do passado, mas o olhar que ela constrói sobre esses
eventos é claramente voltado para a contemporaneidade. Os problemas ao redor do
desastre nuclear na antiga União Soviética penetram ainda hoje no tecido social
e político de muitos países da democracia ocidental.
A trama é
baseada na história real do desastre nuclear ocorrido na usina de Chernobyl na
década de 80, localizada na Ucrânia, parte da União Soviética na época. A
narrativa é centrada no cientista nuclear Legasov (Jared Harris), que é chamado
para tentar conter o vazamento da radiação. No esforço de resolver o problema,
Legasov e um dos superiores do partido, Shcherbina (Stellan Skarsgard)
encontram múltiplos entraves colocados pelo próprio governo, que se nega a
admitir a real dimensão do desastre, tanto para os próprios cidadãos quanto
para a comunidade internacional.
É uma trama slow burn, que caminha em um ritmo
relativamente lento ao tentar acompanhar o cotidiano das tentativas de conter o
avanço da radiação e de pintar um panorama bastante amplo das consequências e
de tudo que o governo precisou fazer. Assim, a trama nos mostra desde os
esforços de Legasov e Shcherbina para conter o núcleo do reator, como a ação
dos militares para evacuar as cidades ao redor ou para eliminar todos os
animais selvagens, domésticos e de fazenda na área afetada para que eles não
espalhassem radiação.
O choque inicial
da tragédia vai aos poucos dando lugar a indignação conforme vamos descobrindo
que os eventos não foram apenas fruto de um infortúnio, mas consequência do
governo constantemente suprimir informação apenas porque não queria admitir
falhas ou parecer fraco diante do resto dos países do mundo. Desta maneira, Chernobyl não é só uma narrativa sobre
uma tragédia, mas um exame das consequências que se impõem quando se tenta
esconder os fatos por conveniência política e/ou ideológica.
Muitos vão dizer
que a minissérie é uma dura crítica ao regime soviético e estes não estão
errados. A questão é que o material não restringe sua crítica a esse governo
nesse momento do tempo. Ao colocar os personagens para falarem sobre “o custo
das mentiras”, o texto mira seu olhar para qualquer governo ou sociedade que
tente sufocar a informação ou o conhecimento e, convenhamos, estupidez e mau
caratismo existem em todo o espectro político.
Vemos isso no
mundo de hoje quando políticos de diferentes países e até presidentes da
república negam informações científicas consolidadas como o aquecimento global,
“gurus intelectuais” (que nem terminaram o ensino médio) vomitam estultices
sobre astrofísica e governantes brigam com as próprias agências governamentais
para não divulgarem dados sobre desmatamento ecológico. Nada disso está muito
deslocado do que vemos acontecer em Chernobyl
e, tal como no passado, há um preço a ser pago por essas mentiras. Porque a
realidade não se desfaz só porque queremos, os problemas não desaparecem só
porque dizemos que eles não existem, eles permanecem ali, se agravando e negar
a verdade significa deixar de agir até que seja tarde demais.
Há uma cena em
que Legasov e Shcherbina conseguem um drone
lunar emprestado da Alemanha para que conseguiam remover o material
radioativo do teto da usina, uma área tão contaminada que seria extremamente
arriscado para qualquer ser humano passar mais do que alguns minutos. Ao
tentarem usar o drone, o equipamento
entra em pane em poucos segundo e os personagens logo descobrem o motivo: o drone não estava devidamente protegido
da radiação porque o índice de contaminação que o governo soviético (que sabia
dos dados reais) informou aos alemães era muito menor do que a realidade. Ou
seja: por causa das mentiras estúpidas do governo, que ignoraram o alerta de
cientistas competentes e guiaram suas ações por meros achismos, os responsáveis
em limpar o desastre precisaram arriscar a vida de pessoas ao invés de usar
robôs. A cena é um claro exemplo do preço das mentiras e das consequências
horríveis do obscurantismo.
A série é um
duro lembrete do que pode acontecer quando pessoas medíocres e estúpidas, mais
preocupadas com ganhos pessoais e políticos, tomam o poder e agem para calar a
ciência, sufocar os questionamentos e negar a realidade sempre que isso serve a
seus interesses. É difícil assistir Chernobyl
e não pensar na crise epistemológica em que vivemos, na qual estamos tão
cercados de conteúdo falso e desinformação que a verdade se torna difícil de
identificar. Vivemos um momento em que as pessoas elegem como verdade aquilo
que se encaixa em suas crenças e negam aquilo que não se encaixa, abandonando o
exame racional e isso claramente terá consequências.
Nota: 8/10
Trailer
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