Baseado na vida do mafioso John Gotti, este Gotti deveria ser um grande retorno do
ator John Travolta ao prestígio que ele um dia teve. Claro, ele esteve na
excelente primeira temporada de American Crime Story: O Povo Contra O.J Simpson, mas ali era mais um esforço
conjunto do que um produto apoiado em uma única estrela. Além disso, a série
foi um ponto fora da curva na filmografia recente de Travolta que tem estrelado
um punhado de filmes ruins lançados direto para home video. Eu digo que Gotti
deveria ser porque o resultado final claramente deixa Travolta ainda mais longe
de recuperar sua reputação.
A trama conta a trajetória de John Gotti (John Travolta) no
mundo do crime desde os anos 70 até sua eventual morte em 2002. Ao invés de
contar essa história de uma maneira linear, o filme opta por construir sua
trama em uma série de flashbacks a
partir de uma conversa de Gotti com o filho, Gotti Jr (Spencer Lofranco), na
prisão.
Essa escolha de desarrumar a temporalidade é o primeiro
grande problema do filme. Ao fazer esse tipo de opção por desarranjo temporal,
normalmente se escolhe algum eixo de alguma natureza para costurar tudo, mas
aqui não parece haver uma espinha dorsal clara apoiando as escolhas do texto de
ir e voltar no tempo. Não há um fio condutor, um conflito central e, dessa
maneira, parece que estamos vendo uma colagem de “melhores momentos” do
personagem sem qualquer causalidade entre eles.
Um exemplo é uma cena em que Gotti e um associado, Angelo
(Pruitt Taylor Vince), estão reclamando com Gotti Jr sobre uma briga que o
jovem começou na rua e como isso pode atrair a polícia para eles. A cena acaba
e depois dela avançamos no tempo para um momento em que gravações envolvendo
Angelo chegam às autoridades. Qual a relação entre os dois eventos? Nenhuma.
Não há uma relação de causa e efeito ou mesmo de consequência entre as duas
cenas. Na verdade, durante o filme todo mal há um senso de repercussão para os
eventos mostrados, justamente porque tudo é extremamente fragmentado e episódico.
Não ajuda que o filme não tenha uma visão clara do retrato
que quer construir do seu biografado. É para tentar dar conta da complexidade
de Gotti como homem de família e criminoso implacável? É para mostrar a relação
dele com o filho? Deveria ser sobre o fato dele ser um mafioso com um certo
código de honra? Todas essas ideias são jogadas a esmo pelo filme, mas nunca se
compromete com nenhuma e como tudo é tão solto a impressão é que ao final
sabemos tanto sobre Gotti quanto sabíamos antes do filme começar, o que é um
péssimo sinal para uma biografia.
Tanto o roteiro quanto a direção de Kevin Connolly (o Eric da
série Entourage) não parecem ter a
menor ideia de quem era Gotti, o que impelia suas ações, o que o motivava, o
porque ele agia da maneira que agia. Isso fica evidente desde o início quando
vemos que Gotti ressente e desconfia de praticamente todos os operativos da
máfia ao seu redor. Longe de ser uma mente astuta e maquiavélica, Gotti parece
um sujeito mesquinho, movido meramente por rancores pequenos. O filme, no
entanto, nunca parece atentar para isso, usar esse traço de qualquer maneira,
nem construir uma personalidade consistente para o protagonista ou mesmo qual seu ramo de atividade. Afinal, que crimes o grupo criminoso de Gotti cometia? Jogo ilegal? Tráfico de drogas? Fraudes financeiras? Não sabemos, o filme nunca apresenta isso.
Isso piora quando chegamos ao terço final da projeção e a
narrativa começa a inserir imagens reais de arquivo da época do julgamento de
Gotti com cidadãos comuns defendendo o mafioso e dizendo o tanto que ele fez
por Nova Iorque. Nesse ponto, o texto parece querer apresentar Gotti como uma
espécie de anti-herói, mas nada disso foi construído até aqui. Nunca vimos que
ele tinha essa grande admiração e respeito do povo, nem que ele era esse grande
contribuinte de sua comunidade. Toda essa ideia de Gotti como uma figura
heroica e trágica, enquadramento que o filme assume até o final, soa gratuito,
não merecido e jogado de qualquer jeito na última hora quando perceberam que a
trama não possuía qualquer coisa que se assemelhasse a um clímax.
A direção de Kevin Connolly é tão perdida quanto o texto, se
limitado a copiar enquadramentos e movimentos de câmera de filmes do Martin
Scorsese, como Os Bons Companheiros (1990)
ou Os Infiltrados (2006), sem, no
entanto, entender o que as faz funcionar ou qual o objetivo de Scorsese com
suas escolhas estilísticas. Assim, o filme parece uma cópia tosca e grosseira
de Scorsese ao invés de uma homenagem ou um comentário sobre o estilo do
diretor.
Essa impressão de cópia gratuita também se verifica no modo
como o filme usa música não original, tentando colocar canções de pop e rock de
maneira irônica tal qual Scorsese faz em seus trabalhos, mas aqui o filme
sequer consegue estabelecer esse efeito de ironia entre música e imagem, com a
música aparecendo apenas como uma tentativa infantil de emular Scorsese. Na
maioria das vezes, as escolhas de música que o filme faz soam deslocadas e sem
sentido, como o uso do Tema de Shaft
ou a escolha de House of Rising Sun
para o enterro de Gotti, ao invés de ironicamente distantes.
A exceção de John Travolta, que de fato se compromete com
seu personagem e tenta ao máximo dar alguma credibilidade a ele, apesar de ser
constantemente sabotado por diálogos ruins, o resto do elenco muitas vezes caminha em
direção do autoparódico. O melhor exemplo é Kelly Preston (esposa de Travolta
na vida real) como a esposa de Gotti, a atriz pesa tanto no exagero dos
trejeitos e sotaque da mulher que ela mais parece uma irmã bastarda da
personagem de Marisa Tomei em Meu Primo
Vinny (1992), com a diferença que Tomei de fato estava querendo ser
engraçada, enquanto Preston se pretende a séria. A sensação é que todo mundo se
comporta como se estivesse em alguma paródia de Os Bons Companheiros ou da série Família Soprano, mas o roteiro ou a direção estão levando tudo a
sério.
Perdido, fragmentado e sem ter nada a dizer sobre seu
biografado, Gotti é um desastre completo,
sem nada que o redima. É daqueles filmes que é tão ruim que é difícil imaginar
que alguém em algum momento achou uma boa ideia fazê-lo.
Nota: 1/10
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