Homem-Aranha: De Volta ao Lar (2017) era um competente recomeço para o herói aracnídeo nos
cinemas. O filme deixava uma clara possibilidade de continuação em sua cena
pós-créditos, com Mac Gargan (Michael Mando), que os fãs de quadrinhos conhecem
como o Escorpião, jurando vingança contra o herói. A Marvel, no entanto, não
usou esse gancho em Homem-Aranha: Longe
de Casa, preferindo repercutir o impacto dos eventos vistos em Vingadores: Ultimato.
A trama começa situando o que aconteceu após a derrota de
Thanos (Josh Brolin) e o retorno daqueles que sumiram por conta do estalo. O
mundo está de luto por conta dos heróis que pereceram na última grande batalha
e Peter Parker (Tom Holland) questiona seu lugar no vácuo de poder deixado pela
ausência de figuras como Tony Stark (Robert Downey Jr) e Steve Rogers (Chris
Evans). De férias, Peter viaja com sua turma de escola para a Europa e lá ele
planeja contar a MJ (Zendaya) que gosta dela. Os planos de Peter são frustrados
quando Nick Fury (Samuel L. Jackson) aparece em seu hotel pedindo ajuda para
enfrentar criaturas de outra dimensão com a ajuda de Quentin Beck (Jake
Gyllenhaal), também de outra dimensão.
Se o anterior era em essência um filme oitentista baseado
nas tramas colegiais de John Hughes, esse usa outro conjunto de referências
dessa década como Férias Frustradas II (1985)
ou Jogos de Guerra (1983),
funcionando quase como uma mistura desses dois filmes. A primeira metade da
trama, porém, carece de um maior direcionamento, demorando a chegar em suas
reais intenções e falhando em entregar uma ameaça interessante, já que os
Elementais são basicamente grandes nuvens de computação gráfica e filmes como Quarteto Fantástico e o Surfista Prateado (2007)
ou Lanterna Verde (2011) já mostraram
que “vilões nuvem” não funcionam.
É só quando acontece uma reviravolta lá pela metade que o
filme realmente ganha fôlego e apresenta um conflito bem delimitado, enquanto
que antes tudo parecia relativamente frouxo e episódico. Não vou entrar em
detalhes em relação ao que acontece, mas quem conhece os quadrinhos certamente
vai conseguir antever a revelação (eu já supus o que aconteceria desde o
primeiro trailer).
Muito do filme gira em torno de Peter em dúvida entre sua
vida de super-herói ou deixar tudo de lado para curtir sua adolescência e viver
seu romance ao lado de MJ. Não é exatamente novo nos filmes do herói e Sam
Raimi já tinha tratado esse dilema muito bem em Homem-Aranha 2 (2004), mas Tom Holland e Zendaya são fofos o
suficiente para nos fazer embarcar no flerte desajeitado dos dois personagens e
da segunda metade em diante a trama consegue colocar conflitos que servem para
amadurecer Peter. Já Jake Gyllenhaal dá a Beck/Mysterio carisma suficiente para
que compreendamos o fato de Peter confiar nele em tão pouco tempo, embora muito
disso também se deva ao fato do garoto estar em busca de um mentor substituto
com a ausência de Stark.
Embora o filme saiba explorar com competência as habilidades
de Mysterio, mostrando como ele pode ser perigoso e criando imagens bem
delirantes, a motivação do personagem acaba sendo pouco convincente para o
escopo do plano que ele cria e torna tudo um pouco mirabolante demais. Ainda
assim, o texto é inteligente em usar o personagem como um reflexo dos tempos em
que vivemos, com notícias falsas e deepfakes
circulando na internet de maneira tão descontrolada que se torna difícil saber
o que é real e as pessoas simplesmente deixam de dar valor à verdade para dar
valor ao que confirma seus pontos de vista, sejam eles válidos ou não.
Tal como o filme anterior do amigão da vizinhança, este aqui
exibe uma boa dose de humor, mas, da mesma forma que seu predecessor e outros
filmes da Marvel, o uso do humor é relativamente irregular. Ele funciona muito
bem quando serve à trama em cenas como a que Peter tenta sentar ao lado de MJ
no avião, nos diálogos desajeitados entre Peter e MJ ou no aparvalhado
professor vivido por Martin Starr, mas em muitos momentos as gags cômicas mais atrapalham do que ajudam.
Um exemplo é a cena em que Peter conhece Nick Fury pela
primeira vez e eles são constantemente interrompidos por roncos dos colegas e
pessoas batendo na porta. Era uma cena para mostrar as personalidades dessas
duas pessoas colidindo pela primeira vez e dar prosseguimento à trama, mas o
ritmo e o peso da cena é constantemente interrompido por piadinhas inúteis que
gastam tempo sem ter nada a dizer. É como se a Marvel achasse que o público não
é capaz de levar os dramas e dilemas desses personagens à sério ou considere
que precisa ficar colocando piadinhas em toda cena como forma de chamar atenção
da audiência. De todo modo, essa necessidade incansável de enfiar humor em
qualquer cena o tempo todo já está se tornando mais que cansativa.
Homem-Aranha: Longe de
Casa é uma competente, ainda que irregular, aventura que se sustenta pelo
carisma de seus personagens e pelo modo como repercute os últimos eventos do
universo Marvel.
Nota: 7/10
Obs: O filme tem
duas cenas adicionais durante os créditos
Trailer
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