Eu queria muito ter gostado deste Anna: O Perigo Tem Nome. Muita coisa do que o diretor Luc Besson
fez durante os anos noventa tem lugar cativo na minha memória cinéfila como Nikita: Criada Para Matar (1990), O Profissional (1994) e O Quinto Elemento (1997), então sempre
desejo por vê-lo à frente de bons projetos, mas seus últimos filmes, apesar de
carregarem promessa, acabaram sendo bem abaixo dos melhores momentos do
realizador. Lucy (2014), apesar do
carisma de Scarlett Johansson e da boa direção de Besson foi soterrado pelo
peso da própria megalomania e Valerian e a Cidade dos Mil Planetas (2017) era prejudicado por um roteiro
problemático e um casting equivocado
de seus protagonistas. Este Anna
poderia ter sido um retorno à forma ao trazer em si ecos de Nikita, mas o resultado é algo
desconjuntado e anacrônico.
A trama começa na década de oitenta quando a jovem russa
Anna (Sasha Luss) é recrutada como assassina pela KGB. Ela vai para Paris
disfarçada como modelo e vive uma vida dupla como top model e matadora, eliminando os inimigos da Rússia. As
atividades de Anna chamam a atenção do agente da CIA Lenny (Cillian Murphy),
que força Anna a colaborar com os EUA. Assim, a espiã fica presa em um perigoso
jogo duplo no qual tem que lutar pela própria sobrevivência e liberdade.
Chama a atenção uma certa inconsistência tonal no longa, em
especial quando o filme contrapõe o cotidiano de assassina da protagonista com
seu trabalho como modelo. Quando Anna está a serviço da KGB, o filme é sério,
sisudo e sombrio, com a protagonista sendo mentalmente afetada por toda a
violência ao seu redor, mas em seus momentos de modelo é tudo tão histriônico e
caricato que parece algo saído da franquia Zoolander.
Sim, Besson claramente parece querer parodiar o universo fashion, a questão é que as transições entre a seriedade
psicológica e o pastiche são muito abruptas, dando a impressão de dois filmes
diferentes e essas duas abordagens mais brigam entre si do que dialogam.
É curioso, no entanto, que ele tente criticar a
objetificação promovida pelo mundo da moda ao mesmo tempo em que insista a todo
momento em mostrar a nudez de sua protagonista e colocá-la em cenas de sexo
(além de um eventual estupro). Soa contraditório reclamar da objetificação de
um determinado ramo do entretenimento ao mesmo tempo em que ele próprio a expõe
mais do que necessário, já que mesmo quando ficou claro que ela usa o sexo para
manipular os homens ao seu redor, Besson continua insistindo em cenas e mais cenas
dela tirando a roupa.
Algumas cenas de sexo até descambam para o humor
involuntário, como o sexo violento entre Anna e o russo Alex (Luke Evans), que
provavelmente foi pensado como algo de uma sensualidade feroz, mas termina como
se estivéssemos assistindo ao coito de dois búfalos no cio. Atômica (2017), um filme que claramente
remetia aos produtos noventistas de Besson, conseguiu equilibrar melhor sua
combinação entre ação e sensualidade.
Outro problema é a insistência do filme em ficar indo e
voltando no tempo para tentar criar surpresas e reviravoltas na esperança de
convencer o público que esta é uma trama extremamente inteligente quando na
verdade repete todos os clichês típicos de tramas de “espião versus espião”. O
expediente de ficar “rebobinando” eventos quebra o ritmo da trama,
interrompendo constantemente o fluxo e muitas vezes repetindo algumas cenas que
já vimos, como se fossemos incapazes de lembrar algo de dez minutos atrás, para
tentar mostrar a ação de uma perspectiva diferente e que as coisas não era como
pensamos.
Como o filme abusa do recurso, ele se torna previsível e lá
pela terceira vez que uma ação é cortada sem se resolver, sabemos que o filme
irá eventualmente rebobinar até aquele momento para revelar uma surpresa que
acaba sendo facilmente antevista (eu previ a maioria). Desta maneira, a trama
não só fica bastante previsível, como também dá a impressão de um ritmo
truncado, que resiste em progredir. Se tudo tivesse sido contado em ordem
cronológica seria perfeitamente possível manter o suspense sem sacrificar a
progressão da trama. Nesse ímpeto de encadear reviravoltas, os personagens
acabam reduzidos a meros dispositivos de roteiro e mesmo a protagonista não
consegue ir além do lugar comum da assassina que quer se libertar de sua vida
de violência.
As cenas de ação exibem bastante violência e são muito bem
conduzidas, com Bresson apresentando planos longos e com poucos cortes que
conferem fluidez aos combates e as coreografias de luta exploram de maneira
criativa as habilidades letais da protagonista, em especial uma luta dentro de
um restaurante. Ainda assim, as cenas de ação são poucas e relativamente
espaçadas os longo do filme, não sendo o bastante para fazer a experiência ser
positiva.
Anna: O Perigo Tem
Nome soa como um filme parado no tempo, algo que ficou perdido dentro de
uma gaveta de estúdio e só agora foi encontrado e jogado nos cinemas. Apesar de
algumas boas cenas de ação, o filme se perde em uma inconsistência tonal,
personagens desinteressantes e uma trama que se julga mais esperta do que
realmente é.
Nota: 4/10
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