Depois de uma excelente primeira temporada e uma segunda um pouco inferior, mas que ainda conseguia manter o interesse, The Handmaid’s Tale chega a sua terceira
temporada dando sinais de cansaço, com uma trama que parece andar em círculos e
decisões questionáveis quanto ao desenvolvimento de suas personagens. O texto a
seguir contem SPOILERS da temporada.
A trama começa no mesmo ponto em que o segundo ano parou,
com June (Elizabeth Moss) decidindo ficar em Gilead depois de dar sua filha,
Nichole, para Emily (Alexis Bledel) levar através da fronteira do Canadá. A
ação não passa incólume pelo governo de Gilead, mas o comandante Fred Waterford
(Joseph Fiennes) e sua esposa Serena (Yvonne Strahovski) conseguem convencer as
autoridades da inocência de June na questão, colocando Emily como a única
culpada.
O “sequestro” de Nichole gera um incidente internacional
entre Gilead e o Canadá que permite compreender melhor como Gilead interage com
o resto do mundo e o funcionamento da política internacional deste universo. Aliás, a temporada também cria imagens poderosas mostrando o que aconteceu em Gilead com antigos símbolos nacionais dos Estados Unidos, com o obelisco do monumento a Washington sendo substituído por uma cruz e a estátua do memorial a Lincoln sendo largada em ruínas, simbolizando como o sonho de igualdade naquele país foi destruído. O
problema é que todo esse conflito é construído à revelia do desenvolvimento que
foi feito dos personagens até então, especialmente Serena.
No final da temporada anterior, Serena se mostra farta do
regime de Gilead ao experimentar em primeira mão a opressão e silenciamento de
mulheres promovido pelo sistema ao ter seu dedo cortado fora apenas por querer
ser tratada como igual. No primeiro episódio desta terceira temporada, Serena
continua a demonstrar seu descontentamento ao queimar a cama dela e Fred,
simbolizando sua negação do “ritual” de estupro do qual é obrigada a tomar
parte. No entanto, poucos episódios depois, ela apoia Fred em sua carreira
política e em criar um confronto internacional por causa de Nichole. A mudança
não faz sentido, já que ela apoiou a decisão de June de levar Nichole a outro
país por saber que ela teria uma vida melhor lá e agora ela simplesmente parece
ter esquecido do que motivou sua decisão anterior.
Sim, Serena eventualmente desiste de tudo e simplesmente
leva Fred ao Canadá, entregando-o as autoridades em troca de direitos de
visitação a Nichole, mas tudo isso faz a escolha dela em apoiar o marido durante
o miolo da temporada ainda mais sem sentido. Se ela já estava farta dele, como
demonstra desde o primeiro episódio, porque não entregá-lo de uma vez? Assim,
todo o conflito político internacional parece desenhado apenas para estender a
trama ao invés de algo natural para as personagens.
Claro, há uma enorme satisfação em ver um crápula como Fred
sentir que o chão está se abrindo sob seus pés, principalmente em perceber
seu espanto e revolta ao se dar conta que foi justamente a esposa, alguém que
considerava inferior e submissa, a responsável por sua derrocada. Por outro
lado, o plano de Serena não fazia muito sentido, afinal ela não tinha qualquer
direito legítimo sobre Nichole pelas leis do país e o governo apenas permitiu a
visitação para ter o testemunho dela e essa situação claramente não era
sustentável a longo prazo, fazendo a personagem soar como uma tola patética
quando o governo canadense previsivelmente se volta contra ela (não que ela não
merecesse, claro).
June repete o mesmo arco da temporada anterior, de ser
punida por suas tentativas de rebeldia, ser mental e fisicamente atormentada
até o limite de sua sanidade, quase enlouquecer, retornar a razão e tentar um
ato desesperado de fuga. A mudança aqui é que esta temporada parece destacar o
quanto June está sendo “contaminada” pela brutalidade de Gilead, tornando-se
ela própria uma pessoa implacável.
Tal qual o arco de Serena, porém, as decisões de June nem
sempre fazem sentido. É compreensível que ela queira destruir a vida da aia que
prejudicou seus planos de reaver Hannah, sua filha mais velha. Por outro lado,
a decisão de June em deixar Eleanor (Julie Dretzin) morrer de overdose soa
desnecessariamente cruel. É difícil olhar para essa cena e não lembrar do
momento em que Walt (Bryan Cranston) decide deixar Jane (Krysten Ritter) morrer
em Breaking Bad, mas lá a decisão,
ainda que extremamente cruel, fazia bastante sentido para o personagem, que
removeria um obstáculo de seu caminho e ainda retomaria o controle sobre Jesse
(Aaron Paul).
Aqui, entretanto, June não parece ter muito a ganhar em
deixar Eleanor morrer. Por mais que Eleanor, devido à sua instabilidade mental,
quase tenha acidentalmente contado para um grupo de esposas de comandantes os
planos de June e do comandante Lawrence (Bradley Whitford) em levar crianças ao
Canadá, Eleanor nunca é de fato uma ameaça verdadeira. Ela é notoriamente
alguém com problemas mentais e qualquer fala aparentemente comprometedora dela
poderia ser facilmente descartada como delírios de uma louca. Lawrence, com
toda a sua influência, certamente conseguiria um meio de manter a fronteira
aberta para além da desculpa de estar de luto. Além disso, Eleanor sempre
esteve disposta a ajudar June, sempre foi uma aliada.
Apesar da trama pintar a escolha de June como uma decisão
pragmática, ela não tinha efetivamente nada a ganhar ao deixar Eleanor morrer e
tudo poderia ter acontecido do mesmo jeito se a esposa do comandante estivesse
viva. Tudo isso faz a decisão de June parecer desnecessariamente cruel e inútil
de um ponto de vista narrativo. Algo feito mais para chocar o espectador (e
esse expediente de choques gratuitos já chamava atenção desde a temporada
anterior) do que para promover um desenvolvimento consistente da personagem.
O desfecho de June é completamente igual ao das duas
temporadas anteriores, com uma tentativa de fuga frustrada e ela permanecendo
em Gilead. A personagem já conseguiu evitar punições severas (como condenação à
morte) por duas vezes a despeito de sua clara rebeldia e a essa altura já é difícil
embarcar na ideia de que Gilead continue a demonstrar clemência com ela, mas
isso é um problema que fica para a já confirmada quarta temporada.
Embora o Canadá seja um elemento proeminente da trama nesta
temporada, os personagem deste núcleo acabam recebendo pouca atenção. Luke (O.T
Fagbenle) acaba tendo muito pouco o que fazer e o arco da readaptação de Emily
a uma “vida normal” acaba sendo abandonado pela narrativa lá pela metade da
temporada. Moira (Samira Wiley), por outro lado, consegue fazer valer suas
cenas apesar do pouco tempo de tela, principalmente pelo seu confronto com
Serena no penúltimo episódio.
Quem também merece destaque é a Tia Lydia (Ann Dowd), que
continua a ser uma personagem fascinante graças à complexidade que Ann Dowd
coloca nela. Nesta temporada a personagem tem um episódio que mostra mais do
seu passado, dando ainda mais camadas a Lydia ao mostrar como uma vida de
rejeição afetiva e fracassos em ajudar crianças em risco acabou por
transformá-la na moralista fascistoide que conhecemos. Esse flashback ajuda a compreender como
alguém bem intencionada se torna um monstro ao acreditar que sua dureza e
crueldade são justificáveis e moralmente corretas, afinal, diferente do sadismo
dos comandantes, Tia Lydia de fato acredita estar fazendo o melhor pelas aias.
Apesar de bem atuado e continuar a promover discussões
relevantes sobre totalitarismo, religião e machismo, o resultado final desta
terceira temporada de The Handmaid’s Tale
é um produto que perdeu o rumo e o fôlego criativo com uma trama que anda em
círculos, trata seus personagens de maneira inconsistente e foca mais em
choques gratuitos. Espero que a já confirmada quarta temporada seja a última da
série, já que as duas mais recentes mostram que sua trama não tem muito mais
para onde ir.
Nota: 6/10
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