A primeira temporada de Mindhunter
envolvia tanto pela sua construção do suspense das investigações quanto
pelo modo como capturava o clima de incerteza da época com o crescimento de
ataques de serial killers. Ao mostrar
as dificuldades que os protagonistas tinham em ter seu trabalho sobre
assassinos em série levado à sério, a trama também revelava certos preconceitos
sociais quanto à natureza do crime. A segunda temporada continua a desenvolver
muitos desses mesmos temas, expandindo-os assim como expande o desenvolvimento
do personagem.
A trama continua do ponto em que a primeira encerrou, com o
agente Ford (Jonathan Groff) tendo um ataque de pânico depois de entrevistar um
serial killer. O agente Tench (Holt
McCallany) recebe notícia de uma mudança de comando em Quantico e o novo
encarregado é mais aberto aos novos métodos pesquisados pela unidade dos
protagonistas, o que é lhes dá novas oportunidades, mas também novos desafios,
já que o olhar do público está mais sobre eles. Ford, Tench e os demais tem uma
nova oportunidade de testar seus métodos quando uma onda de assassinatos de
crianças aterroriza a cidade de Atlanta. Além das dificuldades em encontrar o
culpado, os protagonistas ainda precisam lidar com toda a politicagem
envolvendo a investigação, já que as autoridades estão menos interessadas na
busca pela verdade e mais nas aparências.
Como o final da primeira temporada revela, a facilidade com
a qual Ford consegue se identificar com os serial
killers começa a pesar na mente do investigador. Afinal, se identificar com
sujeitos desprovidos de empatia significa admitir a própria desumanidade e
desconexão com as pessoas e isso não deve ser uma constatação fácil de
processar. Ao longo da temporada vemos Ford tendo cada vez mais dificuldade no
trato com as pessoas, focado demais nos fatos e análises de dados para ser
capaz de navegar as nuances de interações humanas. No entanto, os ataques de
pânico que ele sentia nos primeiros episódios são completamente esquecidos pela
narrativa, como se o desenvolvimento do problema tivesse sido largado de mão.
O arco de Ford também mostra como o idealismo do personagem
e sua obsessão com a verdade é muitas vezes bloqueada pela burocracia e
politicagem das instituições governamentais. Apesar de ter confiança de que
pode resolver todos os assassinatos de crianças em Atlanta, Ford tem sua
investigação encerrada quando consegue prender um sujeito responsável por
alguns deles. Assim, a eventual vitória do personagem sobre o serial killer, mesmo provando que suas
teorias e o perfil traçado inicialmente estavam corretos, acaba tendo um sabor
amargo por ele não obter todas as respostas.
Tench, por sua vez, precisa lidar com sérios problemas
familiares quando seu filho se envolve na morte de uma criança pequena. Além de
precisar constantemente dividir sua atenção entre a investigação em Atlanta e
as necessidades do filho, a crise familiar também faz Tench refletir sobre o
trabalho e a maneira como lida com os serial
killers. Afinal, essas pessoas já nascem naturalmente malignas? É preciso
alguma coisa na sua trajetória de vida para motivar essa violência? Se esses
sujeitos tivessem uma boa família será que essa violência poderia ter sido
evitada? Essas perguntas vão aos poucos erodindo a relação de Tench com a
esposa e o filho, conforme o agente do FBI se vê em dúvida sobre como proceder,
mostrando mais uma vez o impacto que o trabalho com violência constante tem
sobre a vida daquelas pessoas.
Com a ausência de Tenche e Ford, Wendy (Anna Torv) acaba
tendo que assumir as entrevistas com os serial
killers, mas enfrentando resistência do comando do FBI sob a justificativa
de não ser uma agente, mas fica subentendido que a decisão do comando também se
relaciona com o fato dela ser mulher e lésbica, embora ela não seja abertamente
assumida para os colegas de trabalho. A questão de não assumir a sexualidade e
viver uma vida dupla, mantendo seu relacionamento com a garçonete Kay (Lauren
Glazier) em segredo, começa a pesar na mente de Wendy, principalmente quando
começa a notar atitudes homofóbicas dos colegas de trabalho, deixando Wendy
ainda mais em dúvida sobre se abrir em relação à vida pessoal.
É curioso que, no fim das contas, o que termina o
relacionamento de Wendy não é o comprometimento da personagem com o trabalho,
mas justamente a aparente falta de compromisso de Kay com a relação delas.
Afinal, Wendy estava pronta a se abrir, a morar junto com Kay até o momento em
que ouve Kay falar com o ex-marido que estava envolvido com uma pessoa, mas que
não era nada sério. Fica evidente que Kay apenas queria acalmar o ex para
continuar vendo o filho, mas Wendy, com o orgulho ferido, usa isso como
desculpa para encerrar a relação ao perceber em Kay a mesma hipocrisia de si
mesma em mentir sobre sua afetividade para as pessoas ao seu redor. Desta
maneira, a reação de Wendy à fala de Kay é mais um reflexo do quanto Wendy
detesta a si mesma por ter que se “duas pessoas diferentes” do que apenas por
Kay agir dessa forma.
Assim como na temporada anterior, a série também mostra os
personagens entrevistando diferentes assassinos. Se antes o foco era nos
métodos e na natureza sexual dos crimes, aqui os criminosos selecionados tem em
comum a mitomania, como é o caso de David “Filho de Sam” Berkowitz (Oliver
Cooper), Charles Manson (Damon Harriman, que também interpretou Manson em Era Uma Vez em...Hollywood do Quentin
Tarantino) ou o assassino procurado em Atlanta. Em comum a eles é o fato de
quererem criar lendas em torno de si mesmo para receberem a atenção que julgam
merecer e desviar a atenção das pessoas para não perceberem as facetas que lhes
desagradam em suas próprias personalidades.
Manson, por exemplo, é mostrado como um homem pequeno,
literal e metaforicamente, mas com um complexo de grandeza tal que precisa
sentar em cima da mesa para poder ficar na mesma altura de Ford e Tench. O
enquadramento da cena, inclusive, deixa os três parecerem do mesmo tamanho ao
posicionar a câmera atrás dos dois agentes. Manson é mostrado como alguém que
detém um certo magnetismo pessoal e capacidade de tirar as pessoas do sério,
mas que apesar dos delírios de grandeza não tem nada de inteligente ou
consistente a dizer.
Não é à toa que Manson precise mentir para sair da
entrevista com a pecha de rebelde ao contar para todos que roubou os óculos
escuros de Ford quando vemos que, na verdade, Manson pediu os óculos ao agente,
que deu voluntariamente. Através da cena fica claro que Manson infla sua
própria inteligência e argúcia para ser mais do que realmente e que sua capacidade
de convencer facilmente os outros de suas mentiras é o que lhe torna tão
perigoso.
A segunda temporada de Mindhunter
continua a oferecer uma ponderação complexa sobre nossa relação com a
violência e a capacidade de compreendermos os cantos mais sombrios da mente
humana.
Nota: 9/10
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