segunda-feira, 19 de agosto de 2019

Crítica – Mindhunter: 2ª Temporada


Análise Crítica – Mindhunter: 2ª Temporada


Review – Mindhunter: 2ª Temporada
A primeira temporada de Mindhunter envolvia tanto pela sua construção do suspense das investigações quanto pelo modo como capturava o clima de incerteza da época com o crescimento de ataques de serial killers. Ao mostrar as dificuldades que os protagonistas tinham em ter seu trabalho sobre assassinos em série levado à sério, a trama também revelava certos preconceitos sociais quanto à natureza do crime. A segunda temporada continua a desenvolver muitos desses mesmos temas, expandindo-os assim como expande o desenvolvimento do personagem.

A trama continua do ponto em que a primeira encerrou, com o agente Ford (Jonathan Groff) tendo um ataque de pânico depois de entrevistar um serial killer. O agente Tench (Holt McCallany) recebe notícia de uma mudança de comando em Quantico e o novo encarregado é mais aberto aos novos métodos pesquisados pela unidade dos protagonistas, o que é lhes dá novas oportunidades, mas também novos desafios, já que o olhar do público está mais sobre eles. Ford, Tench e os demais tem uma nova oportunidade de testar seus métodos quando uma onda de assassinatos de crianças aterroriza a cidade de Atlanta. Além das dificuldades em encontrar o culpado, os protagonistas ainda precisam lidar com toda a politicagem envolvendo a investigação, já que as autoridades estão menos interessadas na busca pela verdade e mais nas aparências.

Como o final da primeira temporada revela, a facilidade com a qual Ford consegue se identificar com os serial killers começa a pesar na mente do investigador. Afinal, se identificar com sujeitos desprovidos de empatia significa admitir a própria desumanidade e desconexão com as pessoas e isso não deve ser uma constatação fácil de processar. Ao longo da temporada vemos Ford tendo cada vez mais dificuldade no trato com as pessoas, focado demais nos fatos e análises de dados para ser capaz de navegar as nuances de interações humanas. No entanto, os ataques de pânico que ele sentia nos primeiros episódios são completamente esquecidos pela narrativa, como se o desenvolvimento do problema tivesse sido largado de mão.

O arco de Ford também mostra como o idealismo do personagem e sua obsessão com a verdade é muitas vezes bloqueada pela burocracia e politicagem das instituições governamentais. Apesar de ter confiança de que pode resolver todos os assassinatos de crianças em Atlanta, Ford tem sua investigação encerrada quando consegue prender um sujeito responsável por alguns deles. Assim, a eventual vitória do personagem sobre o serial killer, mesmo provando que suas teorias e o perfil traçado inicialmente estavam corretos, acaba tendo um sabor amargo por ele não obter todas as respostas.

Tench, por sua vez, precisa lidar com sérios problemas familiares quando seu filho se envolve na morte de uma criança pequena. Além de precisar constantemente dividir sua atenção entre a investigação em Atlanta e as necessidades do filho, a crise familiar também faz Tench refletir sobre o trabalho e a maneira como lida com os serial killers. Afinal, essas pessoas já nascem naturalmente malignas? É preciso alguma coisa na sua trajetória de vida para motivar essa violência? Se esses sujeitos tivessem uma boa família será que essa violência poderia ter sido evitada? Essas perguntas vão aos poucos erodindo a relação de Tench com a esposa e o filho, conforme o agente do FBI se vê em dúvida sobre como proceder, mostrando mais uma vez o impacto que o trabalho com violência constante tem sobre a vida daquelas pessoas.

Com a ausência de Tenche e Ford, Wendy (Anna Torv) acaba tendo que assumir as entrevistas com os serial killers, mas enfrentando resistência do comando do FBI sob a justificativa de não ser uma agente, mas fica subentendido que a decisão do comando também se relaciona com o fato dela ser mulher e lésbica, embora ela não seja abertamente assumida para os colegas de trabalho. A questão de não assumir a sexualidade e viver uma vida dupla, mantendo seu relacionamento com a garçonete Kay (Lauren Glazier) em segredo, começa a pesar na mente de Wendy, principalmente quando começa a notar atitudes homofóbicas dos colegas de trabalho, deixando Wendy ainda mais em dúvida sobre se abrir em relação à vida pessoal.

É curioso que, no fim das contas, o que termina o relacionamento de Wendy não é o comprometimento da personagem com o trabalho, mas justamente a aparente falta de compromisso de Kay com a relação delas. Afinal, Wendy estava pronta a se abrir, a morar junto com Kay até o momento em que ouve Kay falar com o ex-marido que estava envolvido com uma pessoa, mas que não era nada sério. Fica evidente que Kay apenas queria acalmar o ex para continuar vendo o filho, mas Wendy, com o orgulho ferido, usa isso como desculpa para encerrar a relação ao perceber em Kay a mesma hipocrisia de si mesma em mentir sobre sua afetividade para as pessoas ao seu redor. Desta maneira, a reação de Wendy à fala de Kay é mais um reflexo do quanto Wendy detesta a si mesma por ter que se “duas pessoas diferentes” do que apenas por Kay agir dessa forma.

Assim como na temporada anterior, a série também mostra os personagens entrevistando diferentes assassinos. Se antes o foco era nos métodos e na natureza sexual dos crimes, aqui os criminosos selecionados tem em comum a mitomania, como é o caso de David “Filho de Sam” Berkowitz (Oliver Cooper), Charles Manson (Damon Harriman, que também interpretou Manson em Era Uma Vez em...Hollywood do Quentin Tarantino) ou o assassino procurado em Atlanta. Em comum a eles é o fato de quererem criar lendas em torno de si mesmo para receberem a atenção que julgam merecer e desviar a atenção das pessoas para não perceberem as facetas que lhes desagradam em suas próprias personalidades.

Manson, por exemplo, é mostrado como um homem pequeno, literal e metaforicamente, mas com um complexo de grandeza tal que precisa sentar em cima da mesa para poder ficar na mesma altura de Ford e Tench. O enquadramento da cena, inclusive, deixa os três parecerem do mesmo tamanho ao posicionar a câmera atrás dos dois agentes. Manson é mostrado como alguém que detém um certo magnetismo pessoal e capacidade de tirar as pessoas do sério, mas que apesar dos delírios de grandeza não tem nada de inteligente ou consistente a dizer.

Não é à toa que Manson precise mentir para sair da entrevista com a pecha de rebelde ao contar para todos que roubou os óculos escuros de Ford quando vemos que, na verdade, Manson pediu os óculos ao agente, que deu voluntariamente. Através da cena fica claro que Manson infla sua própria inteligência e argúcia para ser mais do que realmente e que sua capacidade de convencer facilmente os outros de suas mentiras é o que lhe torna tão perigoso.

A segunda temporada de Mindhunter continua a oferecer uma ponderação complexa sobre nossa relação com a violência e a capacidade de compreendermos os cantos mais sombrios da mente humana.

Nota: 9/10

Trailer

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