quinta-feira, 1 de agosto de 2019

Crítica – Privacidade Hackeada


Análise - Crítica – Privacidade Hackeada


Review – Privacidade Hackeada
Diferentes lugares do mundo, como Reino Unido, Brasil ou Estados Unidos, tiveram seus últimos períodos eleitorais marcados pelo uso massivo de rede sociais para engajar a população nas campanhas e um uso corrente de conteúdos falsos (as infames fake news) para tentar persuadir a população. Este Privacidade Hackeada tenta analisar essa questão a partir do escândalo da Cambridge Analytica, que trabalhou na votação do Brexit, fazendo campanha para a saída da União Europeia, e na campanha de Donald Trump, em ambos os casos fazendo uso de conteúdos falsos.

O documentário acompanha um grupo de pessoas afetadas pela Cambridge. Um deles é David Carroll, professor que processou a Cambridge para ter acesso aos dados dele que foram coletados pela empresa a partir de redes sociais. O início é eficiente em argumentar como praticamente tudo que fazemos no computador e com isso conseguem facilmente deduzir nosso comportamento e hábitos, com esses dados sendo usados para criar anúncios publicitários diretamente para cada pessoa.

Carroll argumenta que, por mais que esses dados sejam colocados em empresas privadas como Facebook e Google, por eles conterem um nível muito alto de informações pessoais que podem ser usadas “contra” nós de modo a nos persuadir a fazer qualquer coisa. Sob este aspecto, o documentário argumenta que os dados deveriam pertencer ao próprio usuário, para que pudéssemos controlar nosso próprio fluxo de informação e saber o que está sendo usado. Assim, o direito aos dados seria parte dos direitos humanos.

Toda essa parte da coleta de dados e necessidade de controle é quando o filme melhor expõe seus argumentos, já que quando o documentário entra no escândalo da Cambridge Analytica, prefere escolher os pontos menos frutíferos para atacar a questão. Todo o caso da Cambridge é extremamente escandaloso por expor o modo como as redes sociais mapeiam nossos afetos, medos e anseios e permitem que empresas privadas usem isso contra nós. O problema, neste documentário, são as escolhas que o filme faz a respeito do que é mais problemático nesse caso.

O filme explica como a Cambridge está ligada a figuras de extrema-direita que tem uma agenda política calcada em discurso de ódio e preconceito. Esses discursos são logicamente graves, mas as ações da Cambridge Analytica seriam problemáticas mesmo que a empresa estivesse a serviço de uma agenda de centro-direita, centro-esquerda, extrema-direita ou em qualquer outro ponto do espectro político.

O cerne do problema também não está no fato, embora isso também seja claramente um problema, de que grandes figuras da Cambridge tem vidas escusas e ligação com crimes digitais. Ao entrar nessa abordagem, o filme se perde em teorias conspiratórias sobre hackers, governo russo e Wikileaks que nunca consegue levar além de mera especulação (não que eu não pense que haja alguma verdade nisso tudo, mas o filme não nos dá muito para convencer), fazendo tudo parecer uma perda de tempo por sua pouca concretude.

O verdadeiro problema das ações da Cambridge é que todos os dados coletados, toda a publicidade de campanha persuasiva, foi feita em cima de informações categoricamente falsas. As pessoas foram persuadidas a votar em favor do Brexit, por exemplo, por publicidades que davam dados falsos sobre o orçamento do país em relação à UE, fazendo os eleitores comprarem gato por lebre. É nesse sentido que ações como a da Cambridge “quebram” a democracia, porque criam realidades falsas e tiram a capacidade de avaliar adequadamente as propostas para o país, remove a possibilidade de tomar decisões devidamente informadas. Esse, no entanto, acaba sendo o aspecto do problema que o documentário dedica a menor quantidade de tempo. Ao invés disso gasta um bom tempo falando como as pessoas são manipuladas, adotando uma postura antiquada de que a espectatorialidade é um ato completamente passivo, quando não é.

Muitas das pessoas que acreditam nesse conteúdo falso não o fazem necessariamente por serem indivíduos tolos, de baixa capacidade crítica e facilmente ludibriáveis. Muitos acreditam também porque esses conteúdos valiam suas próprias opiniões e pontos de vista, então o espectador dá credibilidade a esse conteúdo, mesmo que a publicidade não encontre qualquer eco de verdade no mundo empírico.

Desta maneira, embora seja eficiente em explicar como funciona o assustador mecanismo de coleta e análise de dados, Privacidade Hackeada acaba deixando a desejar na crítica que faz da situação, ficando muito à margem de alguns dos problemas mais sérios.

Nota: 6/10


Trailer

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