segunda-feira, 30 de setembro de 2019

Crítica – Inacreditável


Análise Crítica – Inacreditável


Review – Inacreditável
Em uma determinada cena da minissérie Inacreditável um personagem fala que ninguém duvida de uma vítima de assalto quando ela denuncia o crime, mas que quase todo mundo põe em dúvida o testemunho de uma vítima de estupro. Essa inversão de valores nos casos de estupro, culpabilizando e questionando a vítima ao invés do criminoso, está no cerne da minissérie.

A trama é baseada em uma história real e segue Marie (Kaitlyn Dever, de Fora de Série), uma jovem que cresceu em lares adotivos e que finalmente está morando sozinha. Um dia ela tem o apartamento invadido, é amarrada e estuprada durante horas e, quando o estuprador finalmente vai embora, ela chama a polícia. Como o detetive Parker (Eric Lange) não encontra nenhuma evidência física da presença de alguém no apartamento de Marie e a garota apresenta algumas inconsistências em seu testemunho, provavelmente fruto de memórias embaralhadas pelo trauma, o policial decide que Marie está mentindo e pede que ela retire a queixa, ameaçando-a com um processo criminal de denunciação caluniosa. Ao mesmo tempo, em outro estado, as policiais Karen (Merritt Weaver) e Grace (Toni Colette) começam a perceber padrões similares em estupros na região, padrão que se encaixa no que aconteceu com Marie, e suspeitam de um estuprador em série agindo pelo país.

O primeiro episódio mostra todo o processo pelo qual Marie passa depois de denunciar o estupro, sendo interrogada por vários policiais, passando por exames de corpo de delito e cada etapa do processo revivendo o trauma ainda fresco. Isso fica evidente conforme a trama insere pequenos flashes do cativeiro de Marie conforme ela fala, denotando o quanto as marcas emocionais ainda estão presentes nela.

O segundo episódio faz uma clara oposição entre o tratamento que Marie recebe da polícia de sua cidade e o tratamento que Karen dá a uma vítima que interroga. Enquanto Marie parecia estar sendo julgada, medida, avaliada e questionada pela polícia como se ela própria fosse uma suspeita, Karen oferece uma empatia irrestrita à vítima, explicando todo o processo de exames pelos quais irá passar, acompanhando a garota em todo o procedimento e preocupada se a jovem terá algum apoio para lidar com o trauma.

A narrativa se desenvolve alternando entre a investigação das duas policiais e a vida de Marie após ser indiciada por mentir para a polícia. Marie tem sua vida devastada, incapaz de se manter no emprego, perdendo amigos e sofrendo bullying virtual por sua suposta mentira, além de viver na constante dúvida sobre o que aconteceu, tentando entender se tudo foi um pesadelo ou se foi real. É um duro lembrete do que acontece quando não ouvimos as vítimas e de como por em questão esse tipo de relato é praticamente um segundo ato de violência contra essas pessoas. Kaitlyn Dever se mostra bastante eficiente em construir o desamparo de Marie, apresentando um olhar perdido, à deriva, denotando o senso de solidão e sobrecarga mental da personagem.

Já a trama investigativa se benéfica da complexidade que Merritt Weaver e Toni Colette dão às suas duas detetives. Ambas são duronas e já aprenderam a transitar por um ambiente profissional predominantemente masculino, mas Karen ainda se mostra mais otimista e idealista em contraste com o desencanto e pragmatismo de Grace. É a típica dupla de personalidades opostas que aos poucos vai forjando uma amizade significativa, mas funciona pela força que Weaver e Colette trazem às suas personagens.

O texto ainda acerta em não demonizar o detetive Parker pela injustiça que comete com Marie, mostrando o desespero e arrependimento do policial ao descobrir que estava completamente errado sobre a garota. Seria fácil transformá-lo em um misógino insensível que negaria o erro mesmo diante de evidências concretas, mas o texto prefere demonstrar como a conduta dele se encaixa em uma infraestrutura maior de machismo e culpabilização das vítimas, na qual mesmo uma pessoa aparentemente bem intencionada pode cometer uma ação tão vil.

Desta maneira, Inacreditável apresenta uma envolvente mistura entre drama e suspense que mostra as duras consequências de duvidar das vítimas de violência sexual.

Nota: 8/10

Trailer

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