Produzido pela Netflix, o documentário Indústria Americana tenta retratar os conflitos causados pela
chegada de uma fábrica chinesa aos Estados Unidos. Poderia render uma boa
discussão sobre capitalismo, globalização e imperialismo, mas o
filme acaba ficando à margem de tudo isso e o resultado é um produto
superficial que parece não entender que a história que está contando é apenas
uma parte de uma questão muito maior.
No filme, uma cidade no interior dos Estados Unidos teve sua
economia dilapidada quando a General Motors fechou uma fábrica no local. A
cidade volta a ter esperança no próprio crescimento quando um bilionário chinês
compra o espaço da antiga fábrica e a reabre como uma fábrica de vidros para
automóveis. A esperança, no entanto, vai se esvaindo conforme os trabalhadores
vão se confrontando com o “estilo gerencial” dos chineses.
Aí começam os problemas do filme. Ele retrata toda a
situação com um foco míope que faz as disputas entre patrões e empregados
parecer algo particular dos chineses, cuja disciplina e foco em produtividade
os faz explorar os trabalhadores ao máximo. Na verdade, essa é uma estratégia
típica do capitalismo globalizado constantemente adotada por países
imperialistas.
Você move sua produção do seu país para outra região do
mundo no qual a economia não vai muito bem, aproveita o desespero dos
trabalhadores oferecendo salários menores e menos benefícios criando um
discurso que faz tudo isso parecer vantajoso para os trabalhadores explorados e
assim expande sua produção ao mesmo tempo em que diminui custos. É vantajoso
para os donos, mas nem tanto para os funcionários.
Ao falhar em entender o contexto maior desse tipo de
prática, feita não só pela China como também por outras grandes potências, como
os próprios EUA, que há décadas abrem fábricas em países subdesenvolvidos na
Ásia, África e América Latina (incluindo o Brasil), o filme pinta a situação
como fruto de um impulso autoritário e expansionista chinês quando a questão está
longe de se relacionar com a cultura de uma nação ou povo e sim com a cultura
do capitalismo.
Fazendo tudo parecer “culpa da China” o filme não só
alimenta antigas noções racistas de “perigo amarelo” que eram muito difundidas
nos EUA na primeira metade do século XX, como também falham miseravelmente em
compreender o cerne principal da questão, deixando de desenvolver a discussão
que o próprio documentário tenta empreender. Falha também em perceber como a
chegada dos chineses no país é uma consequência direta do expansionismo
estadunidense.
Afinal depois de décadas de empresas dos EUA fechando
fábricas em seus próprios territórios para abrir em países com mão de obra mais
barata, era evidente que alguma força estrangeira entraria nos Estados Unidos para
preencher o vácuo e a demanda dos trabalhadores que as empresas nacionais
deixaram. De certa forma, é como se finalmente os EUA tivessem recebido a
“fatura” a ser paga por tantos anos de imperialismo e colonialismo. No caso
específico retratado no filme isso acontece por meio da China, mas poderia se
tranquilamente qualquer outra potência global como Rússia ou Alemanha, já que é
o resultado de um processo histórico que se constrói há décadas e não o fruto
da ação isolada de um único país.
O filme, no entanto, passa batido por todo esse contexto
histórico, político, econômico e social, preferindo enquadrar tudo por um viés
de “choque entre culturas”, abordando a China ou os processos de automação como
os principais inimigos e não as macroestruturas de poder que orientam essas
práticas. Há também uma tentativa de contar histórias pessoais de alguns dos
trabalhadores, tanto chineses quanto estadunidenses, mostrando como essas
culturas podem aprender uma como a outra, numa tentativa de conciliar os
conflitos mostrados. O problema é que o filme nunca foca em personagens
específicos, saltando rapidamente de um sujeito para o outro, nem desenha
qualquer arco dramático para seus personagens, tornando difícil que criemos
vínculos com eles.
Indústria Americana soa
como uma oportunidade desperdiçada, tratando uma questão complexa com uma
miopia que varia entre a ingenuidade e o preconceito, falhando em entender a
questão que se propõe a investigar.
Nota: 4/10
Trailer
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