terça-feira, 17 de setembro de 2019

Crítica – O Bar da Luva Dourada

Análise Crítica – O Bar da Luva Dourada


Review – O Bar da Luva Dourada
Assistir O Bar da Luva Dourada, filme mais recente do diretor Fatih Akin (de Em Pedaços), me fez ser grato pelo cinema não conseguir transmitir cheiros. O filme transita por espaços tão decadentes, dilapidados e degradados, apresentando situações tão asquerosas que se pudéssemos sentir o odor de tudo que assistimos certamente teríamos que deixar o cinema no meio da projeção por conta das náuseas que o filme causaria. Não que as imagens em si não sejam incômodas, pelo contrário, se estou aqui ponderando sobre o possível odor é justamente pelo talento de Akin em transmitir todo esse asco através das imagens.

A narrativa, baseada em fatos reais, conta a história de Fritz Honka (Jonas Dassler), assassino em série que aterrorizou a parte pobre da cidade de Hamburgo na Alemanha dos anos 70. Fatih Akin acompanha a trajetória de Honka de maneira bastante crua, algo evidente já na longa sequência de abertura que mostra o protagonista matando, despindo e então serrando a cabeça de uma de suas vítimas.

É um estudo sobre o que há de pior no ser humano, transitando pelo “distrito da luz vermelha” da Hamburgo setentista. São espaços frequentados por bêbados degenerados, prostitutas de meia-idade e quaisquer outros tipos que vivam à margem da sociedade. Os espaços parecem sempre estar caindo aos pedaços e sujos, as pessoas parecem estar sempre fedendo a bebida, suor e outros fluidos corporais. São imagens que já dão asco mesmo sem a violência brutal perpetrada por Honka.

O som é outro elemento que chama atenção pelo modo como ele é usado para criar uma paisagem complexa e um universo vivo que pode ser sentido para além do que está em quadro, principalmente quando estamos no bar que dá nome ao filme. Ouvimos o burburinho das conversas, a música tocando na jukebox, o som de brigas irrompendo ao fundo e outros elementos sonoros. Boa parte da violência também é sentida através do som, já que ela se situa fora de quadro. Um exemplo é a já citada cena inicial na qual ele serra a cabeça de uma vítima.

A questão é que a despeito desse cuidado estético com a degradação dos espaços e pessoas, o filme parece não ter muito a dizer sobre Honka ou sua jornada de violência. Aqui e ali ele coloca pistas de que essa história poderia ser usada para falar de uma Alemanha que ainda não superou a Segunda Guerra, ainda assombrada pelos fantasmas do passado e Honka poderia ser esse “monstro no armário” à espreita por pessoas ainda fragilizadas. No entanto essas ponderações são bem pontuais e nunca produzem nada consistente.

Durante o filme inteiro simplesmente acompanhamos Honka de assassinato a assassinato, estupro a estupro, sem muito esforço para entender como aquele sujeito se tornou essa coisa que parece mais animalesca que humana. Eu entendo que Akin não queira oferecer qualquer módico de simpatia pelo personagem porque Honka de fato não a merece por sua conduta bruta, violenta e misógina, mas ao menos deveria poder enxergá-lo como um ser humano e tentar alcançar alguma compreensão de como ele se tornou daquele jeito.

O ator Jonas Dassler é eficiente em conferir a Honka uma conduta praticamente animalesca, dando a ele uma linguagem corporal de um predador que está sempre à espreita por carne nova e de que a qualquer momento ele poderia agir com violência contra alguém. Dassler é auxiliado por próteses e maquiagem que ajudam o ator a se aproximar do aspecto grotesco do Honka real, com olhos esbugalhados, dentes podres e quebrados, um nariz torto e pele e cabelos sebosos. Apesar da entrega de Dassler em retratar a crueldade aparentemente instintiva e sem limites, o personagem acaba soando superficial e desinteressante porque o texto não lhe dá muita nuance.

O Bar da Luva Dourada apresenta uma competente construção estética sobre seu universo de degradação e violência, mas acaba não tendo muito a dizer sobre o psicopata que retrata.

Nota: 4/10

Trailer

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