Filmes de terror se passam majoritariamente à noite e com
pouca iluminação. Provavelmente porque as sombras geram espaços cujo conteúdo é
desconhecido e o desconhecido, o não compreendido, o “outro”, é sempre algo
assustador. No entanto, sempre me perguntei se alguém faria um filme de terror
que se passasse integralmente em dias claros e ensolarados. Pois o diretor Ari
Aster, responsável pelo tenebroso Hereditário
(2018), resolveu atender minha curiosidade com este O Mal Não Espera a Noite: Midsommar, que nos confronta com um
horror essencial da existência humana: a constatação da futilidade da
existência e da inevitabilidade da dor.
A trama é centrada em Dani (Florence Pugh), que está
passando por um momento difícil depois da morte da irmã e dos pais. O luto da
personagem é agravado pelo fato do namorado de Dani, Cristian (Jack Reynor), se
recusa a dar qualquer suporte emocional, ao invés disso planeja uma viagem à
Suécia com amigos. A viagem é para a pequena vila na qual Pelle (Vilhelm
Blomgrem), amigo de Cristian, nasceu e que é toda baseada em um culto à
natureza que todo ano faz um festival para comemorar o solstício de verão.
Dani, Cristian, Pelle e mais alguns amigos chegam à vila e começam a tomar
parte nas celebrações, mas aos poucos vão descobrir as práticas brutais daquela
pequena comunidade.
O terror constantemente se apoia na figura do “outro”,
alguém diferente, externo, muitas vezes um monstro de outro plano de
existência, como demônios, para denotar o nosso medo daquilo que não
compreendemos ou que foge dos nossos padrões de normalidade. A vila que vemos
em Midsommar e seu culto pagão serve
como o “outro” ao representar um modo de vida tão radicalmente distinto dos
personagens (e de nós, espectadores) que é difícil não sentir temor e repulsa
por eles a partir do momento em que começamos a presenciar seus rituais
brutais.
Logicamente essa não é a primeira vez que um culto é usado
como principal ameaça em um filme de terror e, especialmente em produções dos
Estados Unidos, a natureza radicalmente coletiva dos cultos é colocada em
oposição ao individualismo liberal estadunidense, com a adesão cega ao coletivo
sendo pintada como uma ameaça à ação individual. Aqui, no entanto, os dois
modos de vida são mostrados como dotados de consequências negativas.
Viver uma vida de individualismo e ambição desmedida, como
faz Cristian, acaba por deixá-lo sozinho, sem vínculos emocionais
significativos e sem aliados dispostos a lhe ajudar, sendo impossível pensar
que seu destino poderia ser diferente se ao menos ele tivesse cuidado de Dani.
Não deixa de ser curioso, inclusive, que sempre que os dois estão juntos em
quadro há espaço vazio entre eles, denotando a distância afetiva entre os dois.
A vida em comunidade, por outro lado, implica não só abrir
mão da individualidade como também significa que será inevitável sofrer e se
sacrificar pelo bem do grupo, algo ilustrado pelos múltiplos nativos que
encontram um brutal fim ao longo da narrativa, em especial na cena final quando
vemos os urros e contorções de dor de cultistas que receberam a promessa de um
fim sem dor, deixado evidente o quanto o sofrimento é inescapável. Essa ideia
de que uma sociedade só se sustenta a partir do sofrimento de outros não é
exclusividade desta pequena comuna sueca. Se olharmos para a história da
humanidade veremos que nenhuma grande civilização se construir sem explorar o
sofrimento de outros, dos grandes impérios de outrora, como os babilônios e
romanos, passando pelas potências coloniais do presente como Estados Unidos e
França, todo o progresso foi construído às custas de outros.
Nesse sentido, o arco de Dani é bastante eficiente em
construir a solidão e desamparo dela até o momento em que ela sente que sua dor
está finalmente sendo ouvida quando outras mulheres da vila acompanham os
gritos e choros da protagonista, fazendo-a finalmente sentir o senso de
comunhão que tanto ansiava, justificando a decisão final de Dani ao mesmo tempo
em que torna compreensível o fascínio e a atração que cultos exercem sobre as
pessoas.
Assim, o horror aqui é perceber uma realidade brutal da
existência humana: a de que toda escolha implica em um sofrimento físico e
emocional. De que dor e morte são um destino inevitável e tudo o que fazemos,
nossas crenças, dogmas, adesão ou não adesão a qualquer grupo é uma mera
tentativa de nos distrair de chegarmos a essa realização. De que tudo que
fazemos é uma tentativa frágil e fadada ao fracasso de combater esse pavor
existencial.
As locações sempre ensolaradas criam uma sensação de falta
de confusão e falta de ancoragem temporal, já que é difícil saber quanto tempo
está se passando, algo ampliado pelo constante uso de substâncias psicotrópicas
pelos personagens e que é representado por constantes distorções no som e na
imagem. As representações gráficas de fraturas e crânios esmagados ajudam a dar
um senso de gravidade e a reforçar o senso de que um fim brutal inevitavelmente
aguarda todas aquelas pessoas.
O Mal Não Espera a
Noite: Midsommar é uma incômoda realização de que nossa mera existência no
mundo é, em si, algo assustador, no qual nossas tentativas de encontrar
qualquer nível de felicidade ou integração sempre trazem sofrimento consigo.
Nota: 9/10
Trailer
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