Filmado em poucos dias pelo diretor Federico Fellini, Ensaio de Orquestra parte de uma
premissa relativamente simples, mas sob sua simplicidade traz em si uma riqueza
enorme de leituras possíveis sobre como o diretor usa a Orquestra como uma
metáfora para diferentes ideias sobre organização social e conflitos humanos.
O filme se estrutura como se fosse um documentário sobre o
ensaio de uma orquestra em um porão de uma antiga igreja que teria uma
excelente acústica. Ao longo das entrevistas com os músicos e o maestro, no
entanto, conflitos começam a emergir e as coisas rapidamente começam a sair do
controle.
É possível entender tudo que vemos aqui como uma metáfora
para o comportamento social do ser humano. A orquestra é algo que precisa de
algum nível de ordem para funcionar, cada membro precisa desempenhar uma função
específica e saber o momento exato em que precisa executá-la. Tudo precisa ser
perfeitamente organizado para que o som saia perfeito. Apesar disso, a
orquestra também é um espaço de criação e de diálogo, no qual os músicos tem
voz ativa e pontos de vista que querem validar. Assim, a orquestra é vista como
esse espaço em constante tensionamento entre ordem e desordem, entre
coletividade e individualidade. Entre o desejo de viver em sociedade,
cooperando com um coletivo e um desejo por individualidade e capacidade de expressão
própria.
É dessa tensão que emerge o caos completo na narrativa do
filme e, nesse sentido, Fellini parece construir um comentário bastante irônico
sobre extremismos no espectro político. De um lado temos um maestro de
comportamento tão autoritário que chega a ser caricato, tentando controlar os
mínimos aspectos da performance dos músicos. Do outro temos a completa anarquia
que irrompe a partir do momento em que os músicos decidem se rebelar contra o
maestro e, logicamente, nada funciona durante esse momento de anarquia. Desta
maneira, percebemos como nenhum desses modelos extremos de sociedade tem como
funcionar adequadamente e como o ser humano vive essa existência paradoxal
entre liberdade e controle.
Outra leitura seria a da metáfora para relações de trabalho,
já que o trabalho da orquestra e do maestro é constantemente interrompido por
um representante sindical que impõe várias condições e regras ao trabalho
deles. Essas regras ajudam a conter os excessos do irascível maestro em alguns
momentos, mas em outros soam completamente arbitrárias, como que feitas apenas
para burocratizar o ambiente de trabalho. É mais uma disputa entre ordem caos
tratada aqui com certo senso de humor e exagero, mostrando que sem regras o
trabalhador por ser completamente explorado por quem detém o controle sobre
ele, mas que regras demais tornam tudo confuso e difícil de prosseguir.
O clímax possui algo de realismo fantástico conforme toda a
sala de ensaio começa a ruir e uma bola de demolição (cuja presença não é explicada
e nem precisa) simplesmente destrói uma parede e soterra um dos personagens nos
escombros. É como se aqueles músicos, tão presos em suas brigas e querelas
pessoais fossem incapazes de perceber o mundo ao seu redor ruindo, já que ao
longo da trama temos pistas de que algo pode estar errado por conta dos
estranhos temores. Aqui, mais uma vez, Fellini parece criticar algum tipo de
debate polarizado fechado em si mesmo, que não tem soluções concretas a
oferecer e por isso, é, de algum modo, autodestrutivo.
Existem, claro, uma multiplicidade imensa de outras leituras
possíveis e é isso que faz Ensaio de
Orquestra ficar na memória por tanto tempo ao examinar de maneira irônica
os paradoxos e contradições das vivências artísticas e sociais, exibindo as
tensões entre controle e caos, entre coletividade e individualidade.
Trailer
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