“Somos devoradores de mundos” diz o protagonista
interpretado por Brad Pitt em dado momentos de Ad Astra: Rumo às Estrelas. Na cena em questão o vemos caminhar em
um espaçoporto lunar em meio a quiosques de Subway e outras franquias de fast-food (inclusive, as empresas que
cederam suas marcas nessa cena ou tem um grande senso de humor ou não
entenderam o que o filme está dizendo sobre esses produtos). A cena funciona
como uma síntese do discurso do filme.
Tramas sobre exploração espacial normalmente falam sobre
como viajar pelo cosmos seria um percurso natural do ser humano. Algo que
traria iluminação, transcendência, que faria a humanidade evoluir. Aqui, no
entanto, o diretor James Gray trabalha na contramão dessas ideias (ele já tinha
feito uma antítese de filmes de aventura em Z:A Cidade Perdida) ao propor que a expansão para o espaço seria uma desculpa
para não evoluir, para que a humanidade continuasse a fazer as mesmas coisas,
continuasse a consumir recursos e explorar tudo que há ao seu redor infestando
o universo como um tumor.
A narrativa é protagonizada pelo astronauta Roy (Brad Pitt),
um homem solitário e estoico que recebe uma missão secreta do comando espacial.
Pulsos de antimatéria vindos do planeta Netuno ameaçam o sistema solar e o
comando desconfia que essa energia vem de uma estação espacial enviada ao
planeta décadas atrás e comandada por Clifford (Tommy Lee Jones), o pai de Roy.
Supostamente Clifford teria enlouquecido e matado toda a tripulação. Seus
motivos são desconhecidos, mas Roy precisará viajar aos confins do sistema
solar para detê-lo. Conforme viaja, a distância e o isolamento começam afetar o
protagonista.
É basicamente uma versão espacial do romance No Coração das Trevas ou do filme Apocalypse Now (1979), com um homem
viajando rumo a um destino remoto que vai se confrontando com a selvageria da
humanidade para confrontar um capitão enlouquecido que vive em isolamento.
Gray, no entanto, usa essa estrutura familiar para ir na contramão do sentido
construído comumente por esse tipo de história. O que Roy encontra em sua
jornada não é iluminação, comunhão com o universo ou mesmo progresso. Ele se
depara apenas com violência e morte, muitas vezes de maneira trágica, mas em
outras de maneira irracional.
Um exemplo é a cena em que ele é perseguido por piratas,
fazendo a película se tornar brevemente uma espécie de Mad Max lunar conforme o veículo de Roy é perseguido por um comboio
com intenções hostis. Não sabemos exatamente a motivação dos piratas, mas não
importa, a ideia é que compreendamos que estamos diante de uma fronteira tão
selvagem quanto o velho oeste, que décadas de progresso científico e espacial
não frearam os instintos mais primitivos da humanidade. O mesmo acontece quando
a nave de Roy atende um chamado de emergência de uma estação espacial apenas
para encontrar um primata enfurecido (provavelmente uma cobaia) dilacerando
todos no local.
A solidão é construída também pelo desenho sonoro,
privilegiando longos momentos de silêncio que ressaltam o vazio do espaço e das
bases em outros planetas. Claro, o som é pensado dessa forma também para dar
uma impressão de realismo quanto à experiência da exploração espacial, sendo
que mesmo criações mais futuristas, como a arma de fogo que os personagens
usam, apresentam um som mais abafado, tentando reproduzir como seria disparar
uma arma do vácuo. O mesmo pode ser dito da cena em que Roy entra em uma câmara
anecoica para transmitir uma mensagem para o pai e o filme corta todos os sons
externos, nos deixando apenas com os sons feitos por Roy, para evidenciar a
sensação de estar em um ambiente de extremo isolamento acústico.
Além da violência, o espaço também é retratado como um local
de isolamento extremo, cujos ambientes inadequados para a vida humana
inevitavelmente deixam sequelas psicológicas nas pessoas. Isso é evidenciado
pelo breve cartaz de prevenção de suicídio visto nos corredores da estação
espacial marciana, que pede aos pretensos suicidas que liguem para uma linha de
valorização da vida, denotando o quanto suicídios são comuns naquele local.
Esse senso de inadequação é ainda sentido na presença de “quartos relaxantes”,
grandes cômodos com imagens da Terra e da natureza projetadas nas paredes, como
que para fazer as pessoas se sentirem menos deslocadas na paisagem marciana.
A desglamourização da vida no espaço é percebida no
comentário que Roy faz dos tripulantes da nave que o leva a marte, notando que
eles não passam de operários banais ao invés de exploradores bravos e audazes
como a ficção normalmente retrata astronautas. Viver no espaço, portanto, não é
nem um pouco melhor ou mais avançado do que viver na Terra. Pelo contrário,
conforme os personagens mais se afastam de nosso planeta, mais desumanizados
eles ficam.
Brad Pitt faz de Roy um sujeito estoico e silencioso, mas
suas narrações em off permitem que penetremos em seu universo mental e
percebamos o conflito que há abaixo de sua superfície constantemente calma.
Quase sempre enquadrado em closes para ressaltar sua solidão e a impressão de
claustrofobia por conta dos pequenos ambientes das naves espaciais, Pitt entrega
uma performance sutil, de um homem fechado em si mesmo, mas que nos dá pequenos
vislumbres do que se passa dentro dele. Um exemplo é a breve lágrima que
escorre pelo canto de seu olho quando confronta o pai ao final, indicando a dor
de Roy ao constatar, de uma vez por todas, que o pai não é o herói que
recordava.
A disputa entre Roy e Clifford não funciona apenas como um
conflito entre pai e filho, mas simboliza também um embate entre ideologias e a
recusa de uma geração nova em ficar presa ao legado e às consequências das
ações de gerações anteriores. Isso fica claro quando Roy cita o versículo
bíblico de que “os pecados dos pais recaem sobre os filhos”. Afinal, para
seguir em frente é preciso antes abandonar noções arcaicas que não funcionam,
como a obsessão de Clifford em encontrar vida fora do planeta. O embate entre
os dois é uma disputa entre a insistência em um modelo que não deu resultado e
a necessidade de buscar novas alternativas.
Essa nova alternativa seria, no que parece ser a opinião de
filme, que ao invés de olhar para o que está distante, que olhássemos para o
que está ao nosso redor, nosso planeta e as pessoas nele. Isso fica evidenciado
no plano detalhe da mão de Roy tocando a do operário que o auxilia a sair na
nave no final do filme, como se o gesto simbolizasse a saída do protagonista de
seu isolamento e seu renovado interesse por contato humano. Para Gray seria
necessário olhar para dentro para resolver os problemas da humanidade e olhar
para fora seria apenas uma maneira de justificar a repetição desses problemas
em outros lugares.
Ad Astra: Rumo às
Estrelas é um contemplativo exame sobre a condição humana e sua
relação com o universo, revisando e revertendo ideias tradicionais da ficção
científica.
Nota: 9/10
Nenhum comentário:
Postar um comentário