Depois de dois filmes experimentando com a estética de filmar apenas com celulares (Distúrbio e High Flying Bird), o diretor Steven Soderbergh volta a fazer filmes de maneira mais "convencional". Baseado na história real dos chamados Panama Papers, um vazamento massivo de documentos que escancarou
como grandes empresas lavavam dinheiro em paraísos fiscais através de negócios
de fachada, A Lavanderia tenta
explicar como esse esquema funcionava, ao mesmo tempo em que explora as
histórias de pessoas afetadas por ele.
O ponto de partida é a história de Ellen Martin (Meryl
Streep) uma mulher idosa que perde o marido durante um passeio de barco quando
a embarcação naufraga. A seguradora responsável pela apólice da embarcação
encontra uma brecha jurídica para não pagar o seguro e Ellen começa a
investigar a questão até chegar em um escritório de advocacia no Panamá que
esconde os ativos de muitas corporações ao criar diversas empresas de fachada.
A partir da história de Ellen, a trama se divide em muitas outras histórias que
envolvem pessoas afetadas ou que negociavam com este escritório de advocacia.
O filme, portanto, funciona como uma colagem de histórias
curtas conectadas apenas pelos dois advogados, Mossack (Gary Oldman) e Fonseca
(Antonio Banderas), que gerem o tal escritório que gerencia todas as empresas
de fachada. O problema é que o material passa boa parte dos seus primeiros
minutos nos fazendo investir na história de Ellen, apenas para colocá-la em
segundo plano em favor dos esquetes envolvendo outros personagens. No entanto,
a trama volta a Ellen de tempos em tempos, fazendo toda a sua estrutura soar
irregular, indecisa entre contar essa única história e em todas as digressões
que faz.
Os esquetes em si não são particularmente interessantes e
não dizem nada que a história da personagem interpretada por Meryl Streep já
não poderia nos dizer. Assim, boa parte desses esquetes, como a do empresário africano
ou dos políticos chineses, soa redundante e desinteressante, inclusive porque
nenhum desses personagens tem lá muito carisma. Ao invés de focar e desenvolver
de modo consistente uma história que poderia servir de metonímia ou microcosmo
para todo o escândalo, o filme escolhe ampliar o escopo, mas essa ampliação não
serve para aprofundar os temas que trata. Sim, eu entendo que essa escolha de
múltiplas histórias tenta, de algum modo, reproduzir a estrutura rocambolesca
das múltiplas empresas de fachada que o filme tenta denunciar, a questão é que
essa escolha acaba trabalhando contra o desenvolvimento dos temas ao invés de a
favor.
Outro problema é a inconsistência tonal. A trama envolvendo
Ellen tem um claro quê de tragédia e Meryl Streep interpreta sua personagem
levando-a totalmente à sério, permitindo que vejamos a dor, o desemparo e
indignação que no olhar de além a despeito de sua fachada silenciosa. É difícil
sair de uma personagem que transmite uma dor tão real para o puro deboche e
absurdo das narrações dos personagens de Oldman e Banderas. A estrutura cômica
parece escolhida para escancarar a natureza absurda desses escândalos de
corrupção, mas todo esse absurdo acaba diluindo a dor da personagem de Streep
ou do dono de barco interpretado por David Schwimmer (o eterno Ross de Friends).
A ideia lembra o que acontece no bacana A Grande Aposta (2016), mas lá a trama era focada apenas nos
investidores de Wall Street e o humor era todo focado para expor ao ridículo
aquelas pessoas e não quem foi vítima de seus esquemas, cujas consequências são
tratadas com a devida seriedade. Confesso, porém, que ri bastante com a
reviravolta envolvendo a empresa brasileira Odebrecht que, com a citação no
filme, se tornou sinônimo internacional de corrupção, embora não creio que isso
vá impedir a empresa de continuar faturando alto.
É uma pena, porque o filme, em especial nos seus minutos
finais, tem algo a dizer sobre como o sistema financeiro é feito para encorajar
que os ricos driblem as leis para acumular ainda mais capital e como o
escândalo dos Panama Papers foi feito
para privilegiar os paraísos fiscais criados dentro do próprio Estados Unidos
ou que já existem em países europeus. Inclusive a escolha de encerrar com Meryl
Streep deixando o set de filmagem e removendo a caracterização da personagem
enquanto recita o manifesto do hacker que
vazou os documentos demonstra a clara intenção que o filme tem de levar da
ficção para a realidade o debate que tenta levantar.
Apesar de uma competente atuação de Meryl Streep, A Lavanderia se perde em inconsistências
tonais e histórias secundárias redundantes que tornam tudo mais bagunçado e
raso.
Nota: 4/10
Trailer
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