segunda-feira, 21 de outubro de 2019

Crítica – A Lavanderia


Análise Crítica – A Lavanderia


Review – A Lavanderia
Depois de dois filmes experimentando com a estética de filmar apenas com celulares (Distúrbio e High Flying Bird), o diretor Steven Soderbergh volta a fazer filmes de maneira mais "convencional". Baseado na história real dos chamados Panama Papers, um vazamento massivo de documentos que escancarou como grandes empresas lavavam dinheiro em paraísos fiscais através de negócios de fachada, A Lavanderia tenta explicar como esse esquema funcionava, ao mesmo tempo em que explora as histórias de pessoas afetadas por ele.

O ponto de partida é a história de Ellen Martin (Meryl Streep) uma mulher idosa que perde o marido durante um passeio de barco quando a embarcação naufraga. A seguradora responsável pela apólice da embarcação encontra uma brecha jurídica para não pagar o seguro e Ellen começa a investigar a questão até chegar em um escritório de advocacia no Panamá que esconde os ativos de muitas corporações ao criar diversas empresas de fachada. A partir da história de Ellen, a trama se divide em muitas outras histórias que envolvem pessoas afetadas ou que negociavam com este escritório de advocacia.

O filme, portanto, funciona como uma colagem de histórias curtas conectadas apenas pelos dois advogados, Mossack (Gary Oldman) e Fonseca (Antonio Banderas), que gerem o tal escritório que gerencia todas as empresas de fachada. O problema é que o material passa boa parte dos seus primeiros minutos nos fazendo investir na história de Ellen, apenas para colocá-la em segundo plano em favor dos esquetes envolvendo outros personagens. No entanto, a trama volta a Ellen de tempos em tempos, fazendo toda a sua estrutura soar irregular, indecisa entre contar essa única história e em todas as digressões que faz.

Os esquetes em si não são particularmente interessantes e não dizem nada que a história da personagem interpretada por Meryl Streep já não poderia nos dizer. Assim, boa parte desses esquetes, como a do empresário africano ou dos políticos chineses, soa redundante e desinteressante, inclusive porque nenhum desses personagens tem lá muito carisma. Ao invés de focar e desenvolver de modo consistente uma história que poderia servir de metonímia ou microcosmo para todo o escândalo, o filme escolhe ampliar o escopo, mas essa ampliação não serve para aprofundar os temas que trata. Sim, eu entendo que essa escolha de múltiplas histórias tenta, de algum modo, reproduzir a estrutura rocambolesca das múltiplas empresas de fachada que o filme tenta denunciar, a questão é que essa escolha acaba trabalhando contra o desenvolvimento dos temas ao invés de a favor.

Outro problema é a inconsistência tonal. A trama envolvendo Ellen tem um claro quê de tragédia e Meryl Streep interpreta sua personagem levando-a totalmente à sério, permitindo que vejamos a dor, o desemparo e indignação que no olhar de além a despeito de sua fachada silenciosa. É difícil sair de uma personagem que transmite uma dor tão real para o puro deboche e absurdo das narrações dos personagens de Oldman e Banderas. A estrutura cômica parece escolhida para escancarar a natureza absurda desses escândalos de corrupção, mas todo esse absurdo acaba diluindo a dor da personagem de Streep ou do dono de barco interpretado por David Schwimmer (o eterno Ross de Friends).

A ideia lembra o que acontece no bacana A Grande Aposta (2016), mas lá a trama era focada apenas nos investidores de Wall Street e o humor era todo focado para expor ao ridículo aquelas pessoas e não quem foi vítima de seus esquemas, cujas consequências são tratadas com a devida seriedade. Confesso, porém, que ri bastante com a reviravolta envolvendo a empresa brasileira Odebrecht que, com a citação no filme, se tornou sinônimo internacional de corrupção, embora não creio que isso vá impedir a empresa de continuar faturando alto.

É uma pena, porque o filme, em especial nos seus minutos finais, tem algo a dizer sobre como o sistema financeiro é feito para encorajar que os ricos driblem as leis para acumular ainda mais capital e como o escândalo dos Panama Papers foi feito para privilegiar os paraísos fiscais criados dentro do próprio Estados Unidos ou que já existem em países europeus. Inclusive a escolha de encerrar com Meryl Streep deixando o set de filmagem e removendo a caracterização da personagem enquanto recita o manifesto do hacker que vazou os documentos demonstra a clara intenção que o filme tem de levar da ficção para a realidade o debate que tenta levantar.

Apesar de uma competente atuação de Meryl Streep, A Lavanderia se perde em inconsistências tonais e histórias secundárias redundantes que tornam tudo mais bagunçado e raso.

Nota: 4/10

Trailer

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