A premissa deste Morto
Não Fala é algo bem típico de narrativas de fantasia e horror. Um sujeito
comum mexe com forças sobrenaturais que não compreende muito bem com o intuito
de obter alguma vantagem, mas logicamente essas forças se voltam contra ele e
tudo começa a desmoronar.
Stênio (Daniel de Oliveira) trabalha no necrotério de São
Paulo no turno da noite e tem a habilidade de falar com os mortos. Um dia um
dos cadáveres que chega em sua mesa conta a Stênio que a esposa dele, Odete
(Fabiula Nascimento), o está traindo com o dono da padaria. Indignado com a
traição, Stênio decide tomar uma atitude drástica, mas revelar os segredos dos
mortos coloca uma maldição sobre ele.
O filme acerta em adaptar essa premissa comum do gênero ao
contexto e cotidiano brasileiro, fazendo tudo soar crível como aconteceu com o
drama médico em Sob Pressão (2016).
Pode parecer algo pequeno, mas muitas tentativas de fazer horror no Brasil
muitas vezes esbarram no problema de tentar meramente reproduzir fórmulas
hollywoodianas sem trazer essas estruturas para o nosso contexto cultural, como
fez O Caseiro (2016) ao tentar fazer
algo similar aos filmes estadunidenses de “casa mal-assombrada” e resultou em
algo sem personalidade.
O filme coloca toda a situação dentro do cotidiano das
periferias brasileiras e da questão da violência urbana causada pela chamada
“guerra ao tráfico” que constantemente gera uma onda constante de mortos, sejam
criminosos, policiais ou civis. O texto trata das consequências dessa violência
urbana, em como ela reverbera nas pessoas ao redor e marca quem a comete.
Também fala sobre a alienação do trabalho, já que boa parte dos problemas de
Stênio em sua relação com Odete e com os filhos vem do tempo que ele passa no
emprego e quando chega em casa depois de uma noite de trabalho ele está cansado
demais para interagir. Nesse sentido, a trama remete a outros filmes de horror
brasileiros que também tratavam do trabalho como algo que aliena, zumbifica ou
transforma a pessoa em um fantasma ambulante como Trabalhar Cansa (2011) ou A Sombra do Pai (2018).
Para além dos temas de violência e trabalho, o filme é
eficiente em criar situações de incômodo, tensão e gore. Os cadáveres despedaçados que chegam à mesa de Stênio são
bastante realistas e algumas situações aproveitam de temores típicos do
cotidiano brasileiro como o momento em que o protagonista caminha por uma sala
cheia linhas de cerol, logicamente se cortando todo no processo. A trama também
é eficiente em criar dúvida, durante parte de sua duração, sobre o que está
realmente acontecendo, se Stênio é realmente capaz de falar com os mortos ou se
tudo é imaginação dele por conta de não dormir direito, embora o filme não se furte em abraçar seu aspecto sobrenatural ao invés de tangenciar por um viés mais psicológico. Se existem assombrações
amaldiçoando a vida dele ou se é ele próprio que está surtando e provocando
esses eventos.
Morto Não Fala é
uma grata surpresa ao construir uma eficiente trama de horror cheia de imagens
sinistras e que reflete sobre violência urbana.
Nota: 8/10
Trailer
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