quarta-feira, 16 de outubro de 2019

Crítica – O Favorito


Análise Crítica – O Favorito


Review – O Favorito
É curioso como o tempo muda a percepção das coisas. Nos dias de hoje, um candidato a presidente sendo pego traindo a esposa seria um problema menor, que rapidamente seria esquecido no ciclo de notícias e provavelmente não encerraria a carreira de ninguém. Em 1987, por outro lado, algo assim era um grande escândalo com potencial para destruir as chances em uma eleição.

É exatamente sobre isso que trata este O Favorito, baseado na história real de Gary Hart (Hugh Jackman), favorito nas primárias do partido democrata em 1987 para ganhar a indicação de candidato a presidente pelo partido. Hart estava muito à frente dos demais concorrente nas pesquisas até que ele é fotografado com uma mulher que seria sua amante e sua campanha começa a desmoronar.

O filme não mira seu interesse no escândalo em si, mas na discussão que se criou em torno dele. Especialmente na conversa sobre cobertura jornalística da política e o que poderia ser considerado informação de interesse público ou não. Afinal saber da vida íntima de um político é necessário para saber se ele será um bom governante? Até que ponto isso impacta ou deveria impactar na decisão dos eleitores? Do mesmo modo, podemos questionar toda a conduta dos repórteres que descobriram o caso ao passar semanas vigiando Hart e seguindo ele por todos cantos. Seria essa ação uma invasão de privacidade ou justificável sob o argumento de que se trata de uma informação de interesse público?

A ideia aqui parece ser a de mostrar como uma cobertura jornalística mais preocupada com manchetes bombásticas e vendas de exemplares pode esvaziar o debate político deixando que polêmicas vazias tomem precedência à conversa sobre as questões que interessam ao país. Esse tipo de cobertura deriva da ideia de eleição não como um processo de diálogo com a sociedade, mas como um concurso, uma corrida a ser vencida e ao reduzir algo tão complexo a uma mera disputa, a cobertura midiática prefere focar em controvérsias e frases de efeito. O que vemos nos eventos envolvendo Hart reverbera até os dias de hoje quando figuras mais polêmicas e não as mais competentes ou preparadas que ganham destaque nas eleições, vide os certames recentes em países como Estados Unidos, Brasil ou Inglaterra.

A competição entre diferentes veículos de notícias também é mostrado como outro fator que acaba transformando as práticas jornalísticas e flexibilizando padrões éticos. Isso fica evidente na cena da redação do Washington Post na qual um dos repórteres faz objeção a usarem fotos de Hart com a amante que foram entregues em um pacote anônimo, mas o editor Ben Bradlee (Alfred Molina) defende a publicação do material afirmando que se não publicarem, outros jornais o farão e eles ficarão para trás.

O problema de O Favorito é que apesar de apresentar ponderações interessantes sobre política e jornalismo, ele nunca se detém a nenhuma delas por tempo suficiente para produzir qualquer coisa consistente. O filme salta rapidamente de um núcleo de personagens a outro sem dar tempo para que nada se desenvolva plenamente e fica a impressão de que todas as suas ideias não são amarradas em um todo coeso. O material seria melhor aproveitado se fosse uma minissérie.

Como salta entre múltiplos personagens acabamos ficando pouco tempo com Hart e como o conhecemos tão pouco fica difícil nos posicionarmos em relação ao que acontece com ele. Afinal, o texto inicialmente aponta que ele seria um político transformador, mas não há muito tempo para explicar o que ele tinha de tão diferente e posteriormente, quando o escândalo vaza, há a possibilidade de que Hart fosse só mais um embuste com um sorriso brilhoso que não consegue articular duas frases direito se não estiver dentro de um script.

Considerando o tempo pequeno de tela de Hart, fica difícil decidir se ele é qualquer uma dessas coisas ou mesmo uma mescla desses atributos e assim o retrato feito dele é superficial. O personagem funciona por conta do carisma e magnetismo pessoal de Hugh Jackman, que nos faz crer que Hart de fato poderia mobilizar uma nação ao seu redor enquanto político e ser atraente o bastante para conseguir amantes por onde passasse.

Apesar de boas ideias sobre o modo como o jornalismo cobre a política, O Favorito amplia tanto o seu escopo sobre a questão que acaba sendo raso no tratamento de seus múltiplos temas.

Nota: 6/10


Trailer

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