É curioso como o tempo muda a percepção das coisas. Nos dias
de hoje, um candidato a presidente sendo pego traindo a esposa seria um
problema menor, que rapidamente seria esquecido no ciclo de notícias e
provavelmente não encerraria a carreira de ninguém. Em 1987, por outro lado,
algo assim era um grande escândalo com potencial para destruir as chances em
uma eleição.
É exatamente sobre isso que trata este O Favorito, baseado na história real de Gary Hart (Hugh Jackman),
favorito nas primárias do partido democrata em 1987 para ganhar a indicação de
candidato a presidente pelo partido. Hart estava muito à frente dos demais
concorrente nas pesquisas até que ele é fotografado com uma mulher que seria
sua amante e sua campanha começa a desmoronar.
O filme não mira seu interesse no escândalo em si, mas na
discussão que se criou em torno dele. Especialmente na conversa sobre cobertura
jornalística da política e o que poderia ser considerado informação de interesse
público ou não. Afinal saber da vida íntima de um político é necessário para
saber se ele será um bom governante? Até que ponto isso impacta ou deveria
impactar na decisão dos eleitores? Do mesmo modo, podemos questionar toda a
conduta dos repórteres que descobriram o caso ao passar semanas vigiando Hart e
seguindo ele por todos cantos. Seria essa ação uma invasão de privacidade ou
justificável sob o argumento de que se trata de uma informação de interesse
público?
A ideia aqui parece ser a de mostrar como uma cobertura
jornalística mais preocupada com manchetes bombásticas e vendas de exemplares
pode esvaziar o debate político deixando que polêmicas vazias tomem precedência
à conversa sobre as questões que interessam ao país. Esse tipo de cobertura
deriva da ideia de eleição não como um processo de diálogo com a sociedade, mas
como um concurso, uma corrida a ser vencida e ao reduzir algo tão complexo a
uma mera disputa, a cobertura midiática prefere focar em controvérsias e frases
de efeito. O que vemos nos eventos envolvendo Hart reverbera até os dias de
hoje quando figuras mais polêmicas e não as mais competentes ou preparadas que
ganham destaque nas eleições, vide os certames recentes em países como Estados
Unidos, Brasil ou Inglaterra.
A competição entre diferentes veículos de notícias também é
mostrado como outro fator que acaba transformando as práticas jornalísticas e
flexibilizando padrões éticos. Isso fica evidente na cena da redação do
Washington Post na qual um dos repórteres faz objeção a usarem fotos de Hart
com a amante que foram entregues em um pacote anônimo, mas o editor Ben Bradlee
(Alfred Molina) defende a publicação do material afirmando que se não
publicarem, outros jornais o farão e eles ficarão para trás.
O problema de O
Favorito é que apesar de apresentar ponderações interessantes sobre
política e jornalismo, ele nunca se detém a nenhuma delas por tempo suficiente
para produzir qualquer coisa consistente. O filme salta rapidamente de um
núcleo de personagens a outro sem dar tempo para que nada se desenvolva plenamente
e fica a impressão de que todas as suas ideias não são amarradas em um todo
coeso. O material seria melhor aproveitado se fosse uma minissérie.
Como salta entre múltiplos personagens acabamos ficando
pouco tempo com Hart e como o conhecemos tão pouco fica difícil nos
posicionarmos em relação ao que acontece com ele. Afinal, o texto inicialmente
aponta que ele seria um político transformador, mas não há muito tempo para
explicar o que ele tinha de tão diferente e posteriormente, quando o escândalo
vaza, há a possibilidade de que Hart fosse só mais um embuste com um sorriso
brilhoso que não consegue articular duas frases direito se não estiver dentro
de um script.
Considerando o tempo pequeno de tela de Hart, fica difícil
decidir se ele é qualquer uma dessas coisas ou mesmo uma mescla desses
atributos e assim o retrato feito dele é superficial. O personagem funciona por
conta do carisma e magnetismo pessoal de Hugh Jackman, que nos faz crer que
Hart de fato poderia mobilizar uma nação ao seu redor enquanto político e ser
atraente o bastante para conseguir amantes por onde passasse.
Apesar de boas ideias sobre o modo como o jornalismo cobre a
política, O Favorito amplia tanto o
seu escopo sobre a questão que acaba sendo raso no tratamento de seus múltiplos
temas.
Nota: 6/10
Trailer
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