sexta-feira, 4 de outubro de 2019

Crítica – Pose: 1ª Temporada


Análise Crítica – Pose: 1ª Temporada


Review – Pose: 1ª Temporada
Passada na década de oitenta, a primeira temporada de Pose mostra a cultura LGBTQI de Nova Iorque no período, os desafios encontrados pelos membros da comunidade, assim como a exuberância dos bailes, desfiles e competições que ocorriam. Para competir nos bailes era preciso fazer parte de uma “casa”, basicamente uma república, um apartamento que era dividido por várias pessoas da comunidade LGBTQI e que era liderado por uma “mãe”. É um retrato complexo, principalmente do ponto de vista de personagens transgênero, algo que a ficção explora pouco.

A trama é centrada em Blanca (MJ Rodriguez), uma mulher trans que descobre ser HIV positivo e decide mudar o rumo da vida e deixar um legado no mundo. Ela decide deixar a casa da qual fazia parte, a Casa da Abundância, para se tornar mãe de sua própria casa, a Casa de Evangelista (uma referência à modelo Linda Evangelista). Ao iniciar sua casa ela acaba recrutando Damon (Ryan Jamaal Swain), um jovem dançarino que estava morando na rua ao ser expulso de casa pelos pais que descobriram que ele era gay, e Angel (Indya Moore), uma jovem trans que se prostitui nas ruas. Blanca tentará fazer de sua casa não só uma casa campeã nos bailes organizados por Pray Tell (Billy Porter) como um espaço para ajudar seus filhos a melhorarem de vida, estimulando Damon, por exemplo, a estudar em uma escola de dança.

Ao invés de explorar o universo dos bailes apenas por seu exotismo, exuberância e criatividade visual, a série revela que a importância desses espaços não é apenas pelos troféus e figurinos. O baile se trata de ser visto, ser valorizado e a importância disso em uma sociedade que insiste em tratar essas pessoas como invisíveis e sem valor. Nesse sentido, o baile se reveste de um ato político, de resistência e sobrevivência frente a uma sociedade que preferiria que nenhuma daquelas pessoas existisse ou tivesse orgulho em ser quem é.

O arco de Blanca também mostra como a comunidade LGBTQI da época era bastante segregada, com bares de homens gays de classe alta e branca se recusando a servir uma mulher trans e negra como ela. Do mesmo modo, a trama de Elektra (Dominique Jackson) ao ser rejeitada pelo amante depois de fazer sua cirurgia de troca de sexo revela a objetificação das mulheres trans, como elas são tratadas pelas pessoas com quem se relacionam como nada mais que um fetiche, um brinquedo sexual que pode ser descartado no instante que deixa de funcionar como eles querem.

O romance entre Angel e o executivo Stan (Evan Peters) denota o abismo que separa a população LGBTQI da população heteronormativa, com Stan conseguindo manter um bom emprego e uma família por conta de sua fachada de homem branco hétero, enquanto que Angel sequer consegue um emprego como balconista de loja. Isso fica ainda mais evidente no diálogo em que Stan confessa a Angel que não sabe exatamente quem é, que tudo que sempre fez foi seguir aquilo que se esperava dele e aderiu cegamente a um modelo heteronormativo sem ponderar se era isso mesmo que queria. A vida de Stan, no entanto, se complica quando seu caso é descoberto e ele passa a ser visto com preconceito pela própria esposa, Patty (Kate Mara). O fato dele não ser completamente arruinado quando seu caso é exposto só mostra os privilégios que Stan tem por conta da sua posição social.

MJ Rodriguez é ótima em construir o senso maternal de Blanca, que exibe um cuidado e um interesse em ajudar todos que moram em sua casa, o que inclui também normas rígidas de como devem se comportar. O interesse dela não é apenas nos bailes, mas que seus filhos (e ela própria) consigam se integrar na sociedade sem precisarem esconder quem são e consigam atingir seus sonhos.

Outro destaque é Billy Porter como o extravagante Pray Tell, mestre de cerimônias dos bailes. Porter acerta na personalidade expansiva do estilista e como sua conduta extravagante é muitas vezes usado como mecanismo de defesa para sua tristeza em perder amigos para a AIDS. Aliás, a paranoia e constante medo de estar infectado é outra coisa que a série retrata muito bem, no qual uma simples febre, como acontece com Damon, já é motivo para se preocupar com contaminação por HIV.

Com muita sensibilidade e uma boa dose de exuberância, a primeira temporada de Pose pinta um retrato complexo do cotidiano da população LGBTQI na Nova Iorque oitentista.

Nota: 9/10

Trailer

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