Eu não fiquei muito empolgado quando este Doutor Sono, adaptação do romance de
Stephen King que continua a história de Danny Torrance de O Iluminado, foi anunciado. Os trailers focavam mais em fazer
referência a adaptação para cinema de O
Iluminado (1980), de Stanley Kubrick, do que tentar delinear uma identidade
própria e parecia mais um produto hollywoodiano planejado e formatado para
explorar a nostalgia do espectador. O resultado final, porém, acaba sendo menos
tributário ao filme de Kubrick do que eu esperava.
A trama se passa décadas depois dos eventos de O Iluminado. Danny Torrance (Ewan
McGregor) agora é um alcoólatra em recuperação e trabalha como enfermeiro em
uma clínica que atende pacientes terminais. Ele usa suas habilidades de
“iluminado” para trazer conforto aos pacientes em seus últimos momentos e acaba
sendo apelidado de “doutor sono”. Ao mesmo tempo, Danny começa a ter contato
com outra garota iluminada, Abra Stone (Kyliegh Curran), e os poderes crescentes
da garota chamam a atenção de um grupo de pessoas que vive de devorar as almas
de iluminados. O grupo é liderado pela poderosa Rose (Rebecca Ferguson) e Danny
precisa correr para manter Abra segura.
A narrativa se desenvolve sem pressa delineando com clareza
os conflitos e problemas de Danny e Abra, bem como a estrutura de relações que
ele constrói ao redor de si e, desta maneira, quando o conflito efetivamente
irrompe e as pessoas começam a morrer, sentimos o peso de cada morte porque a
narrativa nos deu tempo de conhecer aquelas pessoas e entender a importância
delas para os personagens principais. Do meio para frente a história foca mais
no jogo de gato e rato entre Abra e o culto liderado por Rose e o filme acerta
no desenvolvimento do suspense e das tensões entre os dois lados.
Seria fácil fazer de Rose uma perseguidora irrefreável e
Abra uma vítima em constante fuga, mas o filme consegue inverter a todo momento
os papeis de caça e caçadora de modo a conferir um maior senso de
imprevisibilidade quanto ao que pode acontecer. Os “duelos mentais” entre os
personagens são retratados com enquadramentos angulosos e movimentos de câmera
vertiginosos de modo a dar uma qualidade sobrenatural e fora do comum a essas
imagens, dando também a dimensão da extensão dos poderes daquelas pessoas e o
que elas sentem quando usam suas habilidades.
Se durante boa parte de sua duração o filme consegue trilhar
um caminho próprio sem precisar se apoiar nas imagens e cenas chave do
original, o final, no entanto, acaba se estendendo em referências que, em
muitos casos, são meros fanservices.
Claro, a ida ao Overlook Hotel faz sentido para a história, mas não era
necessário inserir sustos súbitos (ou jump
scares) com recriações de cenas importantes do filme de Stanley Kubrick,
inclusive porque o elenco de sósias não consegue ter o mesmo impacto que o
trabalho de Jack Nicholson, por exemplo.
Por conta desse excesso de referências, a vilã acaba sendo
despachada rápido demais para dar lugar às mesmas assombrações do original. O
que acaba sendo uma pena, já que Rebecca Ferguson consegue fazer de Rose uma
presença simultaneamente magnética e assustadora. Os diálogos até dão pistas
que a personagem tenha uma complexidade maior do que é mostrada (não li o
livro, então não tenho como saber o que ficou de fora na adaptação) como quando
ela menciona o sentimento de solidão na juventude, que ajudaria a dar mais
nuance a Rose e tirá-la de ser uma mera feiticeira sombria.
Ainda assim Doutor
Sono consegue ser um eficiente suspense e uma continuação digna para a
história de Danny Torrance.
Nota: 7/10
Trailer
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