Lançado em 1969 e dirigido por Joaquim Pedro de Andrade a
partir do romance homônimo de Mário de Andrade, Macunaíma foi o filme mais lucrativo do movimento do Cinema Novo
brasileiro. Provavelmente o sucesso se deu pela estrutura cômica anárquica que
remetia às chanchadas de décadas anteriores como Carnaval Atlântida (1952), o que provavelmente tornava mais
acessível toda a trama carregada de simbolismos.
A narrativa acompanha as desventuras de Macunaíma (Grande
Otelo), que nasce já adulto de uma mãe idosa. Macunaíma vive em um constante
estado de preguiça e nunca faz nada por conta própria, sempre tirando vantagem
dos outros. Um dia a floresta em que mora fica inundada e Macunaíma e seus
irmãos vão morar na cidade. No trajeto o protagonista se banha em águas
misteriosas e passa a ser branco (sendo interpretado por Paulo José) e continua
a viver na cidade tentando levar vantagem em cima dos outros.
Chamado de “herói sem caráter” o arco dramático do
protagonista é de fato estruturado como uma típica jornada de herói, com o
chamado à aventura, um artefato de grande poder a ser coletado e o retorno ao
lar. O que torna a trama tão singular e reflexiva dos processos de construção
identitária brasileiras é sua abordagem satírica a todo esse percurso.
Macunaíma é um “herói” brasileiro porque ele se dá bem sem precisar fazer nada
e tirando vantagem em cima dos outros, demonstrando como o individualismo e
esse senso de esperteza, de querer passar por cima das pessoas ao redor, é algo
endêmico do brasileiro.
Também mostra o complexo de vira-lata do brasileiro, sempre
querendo se aproximar dos padrões impostos por nações brancas europeias, o que
denota a condição de colonizado do brasileiro. A transformação de Macunaíma de
negro em branco representa esse desejo de embranquecimento, a vontade de querer
se assemelhar ao europeu. A transformação do personagem denota também o
apagamento da história e da cultura das matrizes que formam nosso povo, como se
o brasileiro fizesse questão de esquecer que sua identidade é também negra e
indígena e quisesse apenas pensar em si mesmo como branco.
Tudo isso está alinhado com as ideias do movimento do Cinema
Novo que visava pensar a condição de subdesenvolvimento do Brasil e como a
mentalidade colonizada da população era parte da razão deste
subdesenvolvimento. A maneira como Macunaíma
faz isso, no entanto, difere um pouco do resto dos produtos feitos pelos
cinemanovistas. Se outros filmes buscavam um arrojo na linguagem, numa estética
que desse conta da fome e da miséria do país, este filme faz isso através da
comédia e da ironia.
O uso da música, por exemplo, é carregado de ironia. Desde o
tema de abertura, uma marcha ultra ufanista que soa desconectada da
vagabundagem do protagonista, passando pelo uso de Essa Garota é Papo Firme de Roberto Carlos na cena em que a
guerrilheira interpretada por Dina Sfat mata dezenas de agentes da repressão.
Aparece também quando o filme usa a valsa Danúbio
Azul de Strauss na cena da feijoada do Gigante, com a plácida valsa
contrastando com a anarquia da festa.
Esses usos de música também apontam para outra questão
central do filme e do romance original de Mário de Andrade que era a
antropofagia. A capacidade do ser humano em se transformar ao devorar
(simbolicamente) o outro para absorver suas características. O filme usa essas
músicas originais, por exemplo, para ressignificá-las, para produzir que eram
diferentes de seu efeito originalmente previsto. A obra devora diferentes
matrizes culturais como a jornada do herói, os contos de fadas, o cinema
hollywoodiano e tantas outras coisas não apenas para absorvê-los, mas para
transformar tudo isso e a partir dessa transformação criar algo que soe
genuinamente brasileiro.
Desta maneira Macuinaíma
é uma ótima adaptação do romance de Mário de Andrade, usando da antropofagia e
do senso de humor para falar do Brasil enquanto povo e nação.
Trailer
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