Apesar de ter se tornado
conhecido com a ficção-científica Looper:
Assassinos do Futuro (2012) e posteriormente por comandar Star Wars: Os Últimos Jedi (2017), o
diretor Rian Johnson já mostrava familiaridade com narrativas policiais em seu
primeiro longa-metragem: A Ponta de Um
Crime (2005), no qual ele construía uma espécie de noir adolescente. Ele volta ao gênero com este Entre Facas e Segredos, mas ao invés do universo cinzento e bruto
das correntes do noir ou do hard-boiled, ele faz algo que brinca com
as histórias de detetives diletantes como Hercule Poirot ou Sherlock Holmes.
A trama começa como um típico
“mistério do quarto fechado”, com o milionário romancista Harlan Thrombey
(Christopher Plummer) sendo encontrado morto sozinho em seu quarto fechado no
sótão de sua mansão. A polícia acredita ter sido suicídio, mas o consultor
Benoit Blanc (Daniel Craig) suspeita de assassinato e reúne todos os membros da
família para tentar descobrir o assassino.
É possível perceber o grande
repertório de referências do gênero policial que Johnson exibe aqui, sendo
possível identificar elementos de contos protagonizados pelo detetive Auguste
Dupin, histórias de Sherlock Holmes ou de Hercule Poirot (dizer quais
especificamente seria arriscar entregar spoilers).
Apesar de ser possível identificar com clareza as bases do que Johnson faz
aqui, seu trabalho nunca soa derivativo, exibindo uma personalidade própria e
autoconsciência das estruturas manjadas que está evocando, sendo capaz de
apontar os anacronismos desses lugares-comuns e fazer piada com eles. Nesse
sentido, o filme acaba sendo simultaneamente uma celebração e uma paródia
desses antigos clichês.
Daniel Craig, por exemplo, faz um
detetive cheio de afetações, com um carregado sotaque do sul dos Estados Unidos
e uma pecha por fazer ilações cheias de metáforas complicadas (todo o discurso
sobre o mistério ser uma rosquinha é impagável). O personagem também carrega
uma certa ambiguidade, deixando em dúvida se ele é de fato um detetive arguto e
perspicaz ou apenas um bufão sortudo que não está vendo as pistas ao redor
dele. Essa ambiguidade ajuda a ampliar o senso de suspense, já que ficamos em
dúvida se ele conseguirá dar conta do mistério, mas ao final fica evidente que
o personagem está próximo ao arquétipo de detetives como Columbo.
Craig é acompanhado por um vasto
elenco que ajuda a compor a paisagem de membros excêntricos da família
Thrombey, cada um com seus próprios motivos para matar o patriarca. O destaque
fica com a empresária durona vivida por Jamie Lee Curtis, a nora riponga
interpretada por Toni Colette ou o filho que sempre viveu à sombra do pai
interpretado por Michael Shannon. Ana de Armas (de Blade Runner 2049), chama atenção como Marta, a enfermeira
hispânica do patriarca que sabe mais sobre o caso do que aparenta, enquanto
Chris Evans rouba todas as cenas em que aparece como o neto playboy e rebelde.
Passamos a última década acostumados a ver Evans como o certinho Capitão
América e esquecemos o quanto ele é bom em ser um completo babaca como já tinha
demonstrado em Scott Pilgrim Contra o
Mundo (2010) ou Não é Mais Um
Besteirol Americano (2001).
O elenco é auxiliado por diálogos
carregados de ironia e bom humor, capazes de tornar qualquer conversa em um
divertido embate de personalidades no qual cada um sempre tem uma observação
esperta a fazer. O texto desdobra o mistério principal em múltiplas
reviravoltas sem soar confuso e forçado, sempre conseguindo dar uma explicação
plausível e que é justificada por algum elemento citado anteriormente não
trama, mesmo que de maneira sutil, evitando também soar desonesto.
Desta maneira, Entre Facas e Segredos entrega uma
envolvente investigação habitada por personagens pitorescos e elevada por um
texto que nunca perde o controle de suas reviravoltas e consegue amarrar tudo
com muita habilidade.
Nota: 8/10
Trailer
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