quinta-feira, 5 de dezembro de 2019

Crítica – Eu, a Vó e a Boi


Análise Crítica – Eu, a Vó e a Boi


Review – Eu, a Vó e a Boi
Em 2017, o internauta Eduardo Hanzo viralizou no Twitter ao contar a insólita história da rivalidade entre a avó dele e uma vizinha. Era uma animosidade que se estendia por décadas e envolvia esquemas e peças que pareciam saídas diretamente de uma sitcom televisiva. Provavelmente foi essa impressão de que a realidade pode ser mais estranha que a ficção que chamou tanto a atenção do público. Parecia algo pronto para ser adaptado para o cinema ou televisão e a série Eu, a Vó e a Boi é exatamente isso.

A trama é centrada em Roblou (Daniel Rangel) que narra a rivalidade entre as duas avós, Turandot (Arlete Salles), com quem ele mora, e Yolanda (Vera Holtz), a quem Turandot se refere como Boi por achar “vaca” um xingamento machista. As duas moram frente a frente na mesma rua e se odeiam há anos. Com muito tempo livre nas mãos, se dedicam a infernizar a vida da outra.

O primeiro episódio da série é mais focado na rivalidade das duas e acerta no clima de absurdo conforme Turandot e Boi inventam esquemas malucos para tirar uma a outra do sério. Recorrendo a diálogos e situações tiradas diretamente dos tweets de 2017, o episódio tem o clima de absurdo e comicidade que se esperava de uma série sobre duas velhinhas rabugentas que se detestam e apontava para uma comédia promissora.

Infelizmente, no entanto, a promessa do primeiro episódio não se concretiza e a série começa rapidamente a perder a mão já no segundo episódio. Isso porque o roteiro começa a levar a sério demais a rivalidade das personagens e transforma a narrativa de uma comédia sobre pessoas pregando peças uma na outra para uma tentativa de falar sobre como ódio e a divisão estão presentes no Brasil de hoje. A escolha tem dois problemas, primeiro que é uma mudança tonal muito brusca, sendo difícil sair de uma cena em que a Boi inventa um jeito de paralisar a conta bancária de Turandot para outra na qual uma personagem fica paraplégica em consequência da disputa das duas. O outro problema é que essa metáfora social e política nunca é desenvolvida de maneira convincente, recorrendo a diálogos genéricos sobre ódio e metáforas forçadas, como o buraco com a forma do mapa do Brasil que se abre no meio da rua.

A série é também prejudicada por deixar as duas protagonistas de lado para focar em coadjuvantes desinteressantes ou cujos arcos se resolvem de maneira abrupta. Roblou, por exemplo, se envolve com a vizinha Demimur (Valentina Bulc) e acaba engravidando a garota, entrando naquele arco moralista clichê de gravidez na adolescência. Do mesmo modo, o arco do pai de Roblou, Montgomery (Marco Luque), que volta depois de ter abandonado a família por mais de dez anos, é porcamente desenvolvido. O personagem retorna para pedir dinheiro aos parentes por estar devendo a agiotas e se revolta quando nem os filhos, nem os irmãos se dispõem a emprestar dinheiro para um sujeito que os abandonou há mais de uma década. Em consonância com o tema de viver movido por ódio que a série tenta trabalhar, Montgomery é pintado como um injustiçado pelos parentes rancorosos quando ele soa mais como um escroque aproveitador do que um coitado.

O pior, no entanto, é o arco de Matdilou (Matheus Braga) e seu romance com a idosa juíza Mary Tyler (Stella Miranda), que funciona basicamente como uma sugar mamma do rapaz, bancando a vida dele. A questão, como a própria trama aponta, é que Matdilou é menor de idade, o que coloca o relacionamento no domínio da pedofilia. A trama tenta fugir de polêmicas ao dizer que Matdilou é juridicamente emancipado, o que, diante da lei, não o faria ser visto como menor. O problema é que o texto de Falabella recorre a um legalismo rasteiro para tentar justificar o acontecimento, mas ignora que nem tudo que lei, ética e moral nem sempre convergem. Algo pode ser legalmente válido e ainda assim imoral e antiético (a escravidão já foi permitida por lei, mas isso não torna o ato menos vil). O pior de tudo é que o texto ainda trata todos os personagens que se opõem a relação como pessoas movidas por ódio e intolerância, tentando amarrar o arco do personagem com o tema central de que estamos vivendo em uma sociedade cheia de ódio e preconceito, mas essa tentativa soa desonesta e forçada por conta dos problemas inerentes em retratar uma relação dessa natureza.

 A mãe de Roblou, Norma (Danielle Winits), peca pelo exagero, com um excesso de tiques e o hábito de falar a expressão “viado” em cada frase dita, a personagem, que deveria representar inclusão, acaba soando como uma caricatura ofensiva. Norma, inclusive, retorna aos braços de Montgomery com extrema facilidade, sem qualquer tipo de repercussão para o fato de que o ex-marido a deixou sozinha para criar os dois filhos durante dez anos. Relacionamentos gratuitos, aliás, acontecem constantemente ao longo da temporada. Um exemplo é Celeste (Giovana Zotti), irmã de Norma. Depois de ser deixada pelo noivo, ela simplesmente pede em namoro a detetive Rocha (Alessandra Maestrini), uma personagem com quem mal interagiu ao longo da série, e Rocha não só aceita como a pede em casamento.

O único ponto positivo é o trabalho de Arlete Salles e Vera Holtz, que realmente acertam na natureza absurda da rivalidade das duas e rendem os momentos mais divertidos da série. Infelizmente as duas são sabotadas por um texto que muitas vezes as deixa em segundo plano para privilegiar personagens e arcos muito menos interessantes. É uma pena, as duas, bem como o texto de Falabella, podiam render algo bem bacana, mas assim como aconteceu no recente filme de Sai de Baixo, o texto erra a mão em personagens e situações equivocadas e, com isso, essa primeira temporada de Eu, a Vó e a Boi acaba sendo mais frustrante do que divertida. Junto com a péssima Dilema é uma das piores séries de 2019.

Nota: 3/10


Trailer

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