Em 2017, o internauta Eduardo
Hanzo viralizou no Twitter ao contar a insólita história da rivalidade entre a
avó dele e uma vizinha. Era uma animosidade que se estendia por décadas e
envolvia esquemas e peças que pareciam saídas diretamente de uma sitcom televisiva. Provavelmente foi
essa impressão de que a realidade pode ser mais estranha que a ficção que
chamou tanto a atenção do público. Parecia algo pronto para ser adaptado para o
cinema ou televisão e a série Eu, a Vó e
a Boi é exatamente isso.
A trama é centrada em Roblou
(Daniel Rangel) que narra a rivalidade entre as duas avós, Turandot (Arlete
Salles), com quem ele mora, e Yolanda (Vera Holtz), a quem Turandot se refere
como Boi por achar “vaca” um xingamento machista. As duas moram frente a frente
na mesma rua e se odeiam há anos. Com muito tempo livre nas mãos, se dedicam a
infernizar a vida da outra.
O primeiro episódio da série é
mais focado na rivalidade das duas e acerta no clima de absurdo conforme
Turandot e Boi inventam esquemas malucos para tirar uma a outra do sério.
Recorrendo a diálogos e situações tiradas diretamente dos tweets de 2017, o episódio tem o clima de absurdo e comicidade que
se esperava de uma série sobre duas velhinhas rabugentas que se detestam e
apontava para uma comédia promissora.
Infelizmente, no entanto, a
promessa do primeiro episódio não se concretiza e a série começa rapidamente a
perder a mão já no segundo episódio. Isso porque o roteiro começa a levar a
sério demais a rivalidade das personagens e transforma a narrativa de uma
comédia sobre pessoas pregando peças uma na outra para uma tentativa de falar
sobre como ódio e a divisão estão presentes no Brasil de hoje. A escolha tem
dois problemas, primeiro que é uma mudança tonal muito brusca, sendo difícil
sair de uma cena em que a Boi inventa um jeito de paralisar a conta bancária de
Turandot para outra na qual uma personagem fica paraplégica em consequência da
disputa das duas. O outro problema é que essa metáfora social e política nunca
é desenvolvida de maneira convincente, recorrendo a diálogos genéricos sobre
ódio e metáforas forçadas, como o buraco com a forma do mapa do Brasil que se
abre no meio da rua.
A série é também prejudicada por
deixar as duas protagonistas de lado para focar em coadjuvantes
desinteressantes ou cujos arcos se resolvem de maneira abrupta. Roblou, por
exemplo, se envolve com a vizinha Demimur (Valentina Bulc) e acaba engravidando
a garota, entrando naquele arco moralista clichê de gravidez na adolescência.
Do mesmo modo, o arco do pai de Roblou, Montgomery (Marco Luque), que volta
depois de ter abandonado a família por mais de dez anos, é porcamente
desenvolvido. O personagem retorna para pedir dinheiro aos parentes por estar
devendo a agiotas e se revolta quando nem os filhos, nem os irmãos se dispõem a
emprestar dinheiro para um sujeito que os abandonou há mais de uma década. Em
consonância com o tema de viver movido por ódio que a série tenta trabalhar,
Montgomery é pintado como um injustiçado pelos parentes rancorosos quando ele
soa mais como um escroque aproveitador do que um coitado.
O pior, no entanto, é o arco de
Matdilou (Matheus Braga) e seu romance com a idosa juíza Mary Tyler (Stella
Miranda), que funciona basicamente como uma sugar
mamma do rapaz, bancando a vida dele. A questão, como a própria trama
aponta, é que Matdilou é menor de idade, o que coloca o relacionamento no
domínio da pedofilia. A trama tenta fugir de polêmicas ao dizer que Matdilou é
juridicamente emancipado, o que, diante da lei, não o faria ser visto como
menor. O problema é que o texto de Falabella recorre a um legalismo rasteiro
para tentar justificar o acontecimento, mas ignora que nem tudo que lei, ética
e moral nem sempre convergem. Algo pode ser legalmente válido e ainda assim
imoral e antiético (a escravidão já foi permitida por lei, mas isso não torna o
ato menos vil). O pior de tudo é que o texto ainda trata todos os personagens
que se opõem a relação como pessoas movidas por ódio e intolerância, tentando
amarrar o arco do personagem com o tema central de que estamos vivendo em uma
sociedade cheia de ódio e preconceito, mas essa tentativa soa desonesta e
forçada por conta dos problemas inerentes em retratar uma relação dessa
natureza.
A mãe de Roblou, Norma (Danielle Winits), peca
pelo exagero, com um excesso de tiques e o hábito de falar a expressão “viado”
em cada frase dita, a personagem, que deveria representar inclusão, acaba
soando como uma caricatura ofensiva. Norma, inclusive, retorna aos braços de
Montgomery com extrema facilidade, sem qualquer tipo de repercussão para o fato
de que o ex-marido a deixou sozinha para criar os dois filhos durante dez anos.
Relacionamentos gratuitos, aliás, acontecem constantemente ao longo da
temporada. Um exemplo é Celeste (Giovana Zotti), irmã de Norma. Depois de ser
deixada pelo noivo, ela simplesmente pede em namoro a detetive Rocha
(Alessandra Maestrini), uma personagem com quem mal interagiu ao longo da
série, e Rocha não só aceita como a pede em casamento.
O único ponto positivo é o
trabalho de Arlete Salles e Vera Holtz, que realmente acertam na natureza absurda
da rivalidade das duas e rendem os momentos mais divertidos da série.
Infelizmente as duas são sabotadas por um texto que muitas vezes as deixa em
segundo plano para privilegiar personagens e arcos muito menos interessantes. É
uma pena, as duas, bem como o texto de Falabella, podiam render algo bem
bacana, mas assim como aconteceu no recente filme de Sai de Baixo, o texto erra a mão em personagens e situações
equivocadas e, com isso, essa primeira temporada de Eu, a Vó e a Boi acaba sendo mais frustrante do que divertida.
Junto com a péssima Dilema é uma das
piores séries de 2019.
Nota: 3/10
Trailer
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