Se a temporada anterior de South Park começou tratando de um tema
difícil que estava em evidência no momento ao falar dos tiroteios nas escolas.
Esta vigésima terceira temporada começa também tratando um tema difícil, o da
prisão de crianças imigrantes no que são, basicamente, campos de concentração. O
episódio Mexican Joker lida com a
questão tentando mostrar como a xenofobia estadunidense é baseada em medos de
uma ameaça inexistente vinda dos imigrantes que se fundamenta em puro racismo.
Assim, quando Kyle alerta para as autoridades que manter crianças em jaulas
daria origem a um “Coringa mexicano” e o governo aumenta ainda mais a repressão
por conta de uma ameaça que não existe.
Do mesmo modo, o episódio tenta
mostrar como funcionam os mecanismos de colonialismo quando uma das crianças
mexicanas é adotado por uma família branca, os Whites (brancos em inglês) e
essa nova família tenta fazer o garoto se esquecer do passado e de sua origem
para se tornar um White. A ideia aqui parece ser a de mostrar como a cultura
estadunidense só aceita a integração de pessoas que partilham de uma visão de
mundo que parte do olhar branco, dominador, normatizando esse olhar e tratando
as demais visões de mundo como desviantes e como ameaça. Poderia render algo
interessante, mas o texto se prende demais a trocadilhos bobos com a palavra
White.
O que não funciona durante o
episódio é todo o arco do Randy Marsh e sua fazenda de maconha, que não
consegue ser integrado organicamente com as demais tramas. Isso será uma
constante ao longo da temporada, com a insistência da série em dar a Tegridy
Farms um destaque constante em todos os episódios mesmo quando não tem nada a
acrescentar ou a dialogar com o que acontece no restante do episódio. Um
exemplo é o episódio do Halloween, no qual as tentativas de Randy de emplacar
uma nova erva e o fato de sua família estar farta de suas parvonices soa
completamente divorciado da trama envolvendo Butters ser amaldiçoado por uma
múmia, tentando construir isso como uma metáfora para relacionamentos abusivos.
O episódio no qual Randy funciona
melhor é justamente aquele que põe sua trama como a mais importante quando ele
tenta vender sua maconha para o governo chinês. O episódio foca na hipocrisia
do governo e das empresas dos EUA, que adoram falar sobre a defesa de valores
democráticos e liberais, mas se dobram a todas as medidas autoritárias do
governo chinês, sendo coniventes com o regime brutal do país. Há uma crítica
principalmente à Disney, que posa como progressista, mas cede a todos os
caprichos do governo, inclusive aceitando a censura ao Ursinho Pooh só porque o
presidente chinês não gosta de ser comparado ao gordo urso da Disney.
Quando a temporada deixa de focar
em Randy a partir de sua segunda metade esperei que fosse haver alguma melhora,
mas a série acaba entregando alguns episódios problemáticos. O melhor exemplo é
o que foca na esposa do Diretor PC e o fato dela perder todas as suas
competições para uma mulher transgênero. Eu entendo que a ideia era criticar o
modo como certos setores da militância política sacralizam membros de
determinadas minorias, como se essas pessoas estivessem imunes a serem péssimos
seres humanos ou punidas por atos reprováveis. No entanto esse efeito não é
alcançado e, ao invés disso, acaba soando transfóbico ao implicar que pessoas
trans fazem a transição de gênero apenas para obterem vantagens. Os bebês PC,
que já não funcionaram muito bem na temporada anterior, continuam sendo uma
repetição cansativa da mesma piada.
A temporada, no entanto, tem sua
parcela de acertos, como no episódio que critica todo o movimento anti-vacina e
como a recusa de algumas pessoas em se vacinarem prejudica toda a comunidade e
permite que doenças já erradicadas retorne, revelando como o movimento
anti-vacina não só é propagador de desinformação como também causa um dano
palpável a sociedade.
Outro acerto é o episódio sobre
“carne” vegetal, que desconstrói toda a publicidade enganosa da indústria
alimentícia de que seria um produto mais sustentável e saudável, quando na
verdade é a mesma gosma ultraprocessada, cheia de produtos químicos nocivos e
produzida sob as mesmas condições predatórias do grande agronegócio, apenas
substituindo a proteína animal por proteína vegetal. A sacada de transformar o
empresário da carne vegetal em uma paródia do Daniel Plainview do filme Sangue Negro (2007) apenas reforça a natureza
enganosa desta indústria. O episódio envolvendo “transplantes de cocô” devolve
o protagonismo a Stan, Kyle, Cartman e Kenny, divertindo pela trama absurda,
principalmente quando decide transformar sua narrativa em uma sátira do filme Duna (1984) do David Lynch, embora quem
não conheça o filme provavelmente ficará boiando nas referências.
Em seu vigésimo terceiro ano South Park entrega uma temporada
irregular, com alguns bons momentos e outros bastante equivocados, sendo que o
arco das Tegridy Farms não diverte como deveria.
Nota: 6/10
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