Hollywood fez um monte de filmes sobre
a Segunda Guerra Mundial, mas poucos sobre a Primeira. Talvez pelo fato da
Segunda ter sido uma “guerra justa”, com Europeus e Estados Unidos se juntando
para libertar o mundo do julgo nazista e isso proporciona várias oportunidades
de contar histórias de heroísmo e sacrifício. Já a Primeira Guerra se baseava
em diferentes disputas e se deu sob condições ainda mais brutais e desumanas,
com os diferentes lados presos em trincheiras por meses a fio sem avançar um
centímetro em relação aos seus inimigos. Se os adversários não os matassem,
doenças certamente o fariam por conta da falta de higiene daqueles lugares.
Dirigido por Sam Mendes, 1917 mostra
exatamente o quão infernal foi a experiência dessa guerra.
A trama acompanha dois soldados,
Blake (Charles Dean Chapman, o Tommen de Game
of Thrones) e Schofield (George McKay), incumbidos de avisar um pelotão de
que o ataque que estão prestes a fazer é, na verdade, uma armadilha dos
inimigos. O risco e urgência da missão são ampliados pelo fato de que o irmão
de Blake é parte do pelotão prestes a cair na armadilha.
Se outros filmes de guerra glamourizam
o combate, aqui o diretor Sam Mendes mostra a Primeira Guerra Mundial como uma
viagem ao inferno. Filmado para dar a impressão de que se passa em um único
plano-sequência, essa estrutura sem cortes coloca o espectador para acompanhar
a missão praticamente em tempo real e ajuda a construir a sensação de urgência
vivenciada pelos personagens. Mendes usa planos abertos para mostrar a
imensidão desolada da “terra de ninguém”, um longo espaço entre as trincheiras
dos dois lados do conflito.
É uma paisagem permeada por
sujeira e morte, com cadáveres de humanos e animais espalhados por todos lados.
Nada do que vemos parece ser do nosso mundo, mas de alguma espécie dimensão
infernal na qual o ser humano nada tem a fazer além de sofrer. Essa impressão
da guerra como um lugar de danação infernal é reforçada no segmento em que
Schofield chega em uma cidade em ruínas e a fotografia de Roger Deakins reforça
o contraste da escuridão da noite com a luminosidade amarela e laranja das
chamas que tomam o lugar, como se ali fosse literalmente o inferno.
Fazer um longa-metragem dando a
impressão de um único plano-sequência já não é uma tarefa fácil e é ainda mais
complicado dado o escopo que a trama cria para a jornada de seus personagens.
Há um hábil manejo de dezenas de figurantes em cena e uma primazia por efeitos
e cenários práticos, usando computação gráfica apenas quando é necessário (como
quando um avião cai perto deles), que ajuda a tornar tudo mais concreto. Os
amplos sets e locações tem uma grande
atenção para detalhes, seja na maneira como os corpos são dispostos ou em
pequenos sinais de aviso dentro das trincheiras que sugerem, sem precisar
recorrer a diálogos, a tensão e a brutalidade constante com a qual os
personagens convivem. Esse esforço de uma construção grandiosa, no entanto,
acaba criando um terceiro ato que parece muito mais voltado ao espetáculo e
grande cenas do protagonista correndo para sobreviver do que na contemplação
humanista que o restante do filme quer passar.
A ideia é que não há nobreza ou
heroísmo a serem encontrados, apenas um sem cessar de perigos e uma existência
que transita entre a violência constante e a mais desesperadora solidão. A
guerra é retratada como uma tragédia humana de proporções imensas. É difícil
não ver um filme como esse e não pensar na ideia de “irrepresentável”
trabalhada por teóricos como Jean-François Lyotard ou Jacques Ranciere que
ponderam sobre a possibilidade de que certos acontecimentos são tão fortes que
imagens não são suficientes para dar conta dele, como se imagem nenhuma nos
pudesse dar a dimensão do que foi o Holocausto, a Primeira Guerra Mundial ou o
massacre de Ruanda.
O filme de Sam Mendes logicamente
não resolve essa questão nem encerra as possibilidades de representação
imagética do desastre humanístico que é um confronto armado da escala da
Primeira Guerra Mundial, mas nos dá um claro vislumbre do horror que aquela
experiência deve ser para quem a vivencia. Mesmo o sucesso da missão não é
tratado como triunfo e sim, como fala o oficial interpretado por Benedict
Cumberbatch, um mero adiamento de um desastre inevitável. É um esforço
desprovido de senso de catarse ou aprendizado, 1917 é uma viagem cheia de melancolia, tensão e solidão pela
experiência de lutar em uma guerra.
Nota: 8/10
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