segunda-feira, 20 de janeiro de 2020

Crítica – 1917

Análise Crítica – 1917


Review – 1917
Hollywood fez um monte de filmes sobre a Segunda Guerra Mundial, mas poucos sobre a Primeira. Talvez pelo fato da Segunda ter sido uma “guerra justa”, com Europeus e Estados Unidos se juntando para libertar o mundo do julgo nazista e isso proporciona várias oportunidades de contar histórias de heroísmo e sacrifício. Já a Primeira Guerra se baseava em diferentes disputas e se deu sob condições ainda mais brutais e desumanas, com os diferentes lados presos em trincheiras por meses a fio sem avançar um centímetro em relação aos seus inimigos. Se os adversários não os matassem, doenças certamente o fariam por conta da falta de higiene daqueles lugares. Dirigido por Sam Mendes, 1917 mostra exatamente o quão infernal foi a experiência dessa guerra.

A trama acompanha dois soldados, Blake (Charles Dean Chapman, o Tommen de Game of Thrones) e Schofield (George McKay), incumbidos de avisar um pelotão de que o ataque que estão prestes a fazer é, na verdade, uma armadilha dos inimigos. O risco e urgência da missão são ampliados pelo fato de que o irmão de Blake é parte do pelotão prestes a cair na armadilha.


Se outros filmes de guerra glamourizam o combate, aqui o diretor Sam Mendes mostra a Primeira Guerra Mundial como uma viagem ao inferno. Filmado para dar a impressão de que se passa em um único plano-sequência, essa estrutura sem cortes coloca o espectador para acompanhar a missão praticamente em tempo real e ajuda a construir a sensação de urgência vivenciada pelos personagens. Mendes usa planos abertos para mostrar a imensidão desolada da “terra de ninguém”, um longo espaço entre as trincheiras dos dois lados do conflito.

É uma paisagem permeada por sujeira e morte, com cadáveres de humanos e animais espalhados por todos lados. Nada do que vemos parece ser do nosso mundo, mas de alguma espécie dimensão infernal na qual o ser humano nada tem a fazer além de sofrer. Essa impressão da guerra como um lugar de danação infernal é reforçada no segmento em que Schofield chega em uma cidade em ruínas e a fotografia de Roger Deakins reforça o contraste da escuridão da noite com a luminosidade amarela e laranja das chamas que tomam o lugar, como se ali fosse literalmente o inferno.

Fazer um longa-metragem dando a impressão de um único plano-sequência já não é uma tarefa fácil e é ainda mais complicado dado o escopo que a trama cria para a jornada de seus personagens. Há um hábil manejo de dezenas de figurantes em cena e uma primazia por efeitos e cenários práticos, usando computação gráfica apenas quando é necessário (como quando um avião cai perto deles), que ajuda a tornar tudo mais concreto. Os amplos sets e locações tem uma grande atenção para detalhes, seja na maneira como os corpos são dispostos ou em pequenos sinais de aviso dentro das trincheiras que sugerem, sem precisar recorrer a diálogos, a tensão e a brutalidade constante com a qual os personagens convivem. Esse esforço de uma construção grandiosa, no entanto, acaba criando um terceiro ato que parece muito mais voltado ao espetáculo e grande cenas do protagonista correndo para sobreviver do que na contemplação humanista que o restante do filme quer passar.

A ideia é que não há nobreza ou heroísmo a serem encontrados, apenas um sem cessar de perigos e uma existência que transita entre a violência constante e a mais desesperadora solidão. A guerra é retratada como uma tragédia humana de proporções imensas. É difícil não ver um filme como esse e não pensar na ideia de “irrepresentável” trabalhada por teóricos como Jean-François Lyotard ou Jacques Ranciere que ponderam sobre a possibilidade de que certos acontecimentos são tão fortes que imagens não são suficientes para dar conta dele, como se imagem nenhuma nos pudesse dar a dimensão do que foi o Holocausto, a Primeira Guerra Mundial ou o massacre de Ruanda.

O filme de Sam Mendes logicamente não resolve essa questão nem encerra as possibilidades de representação imagética do desastre humanístico que é um confronto armado da escala da Primeira Guerra Mundial, mas nos dá um claro vislumbre do horror que aquela experiência deve ser para quem a vivencia. Mesmo o sucesso da missão não é tratado como triunfo e sim, como fala o oficial interpretado por Benedict Cumberbatch, um mero adiamento de um desastre inevitável. É um esforço desprovido de senso de catarse ou aprendizado, 1917 é uma viagem cheia de melancolia, tensão e solidão pela experiência de lutar em uma guerra.

Nota: 8/10

Trailer

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