sexta-feira, 17 de janeiro de 2020

Crítica – Cats


Análise Crítica – Cats


Review Crítica – Cats
Há quarenta anos Hollywood tenta levar o musical da Broadway Cats para os cinemas. Agora que uma adaptação finalmente chegou aos cinemas entendemos o porque da demora. Dirigido pelo mesmo Tom Hooper que quase conseguiu estragar Os Miseráveis (2013), essa adaptação de Cats já estava sendo execrada desde antes do lançamento por conta do visual bizarro dos gatos humanoides e é fácil bater no filme por conta disso (eu mesmo o farei nos próximos parágrafos), mas mesmo ignorado todo o aspecto estranho e sinistro da computação gráfica (o que é bem difícil, por sinal) que envolve os atores, o que sobra é um musical sem ritmo e sem impacto, que gera mais vergonha do que encantamento.

Na trama, os gatos Jellicles fazem sua reunião anual para decidir quem será enviado para uma vida melhor. A gata Victoria (Francesca Hayward) conhece o bando e se junta aos demais gatos. É esse mínimo fiapo de trama que vai situar os números musicais do filme, no qual cada número é praticamente a apresentação de um dos gatos. Essa falta de qualquer coisa que malmente representa um arco narrativo já estava presente no musical de teatro, é verdade, mas no teatro isso causa menos incômodo já que essa sucessão de atrações sem muita trama já existia em antigas formas teatrais, como o vaudeville.

Nem tudo que funciona em um meio necessariamente irá funcionar o outro e é aí que deve residir o esforço de adaptação, em atender as demandas de um meio diferente sem tirar a essência do material original. Talvez uma adaptação de Cats funcionasse em uma chave metalinguística, contando a história de uma companhia de teatro que precisa fazer uma montagem do espetáculo ou talvez como um projeto de vários diretores no qual cada um dirigisse o segmento de um gato, poderia também ser uma animação, como o Steven Spielberg tentou fazer na década de 90. Do jeito que está, no entanto, soa como um produto vazio, já que não tem nada a dizer sobre o universo ou personagens que constrói. Sim, seria possível dizer que ele não tem interesse nenhum em contar uma história e isso é relativamente correto, o foco é no espetáculo, no entanto como nem isso ele consegue entregar, é inevitável não olhar para as outras variáveis.

Assim como aconteceu com Os Miseráveis, Tom Hooper filma e monta todas as performances de maneira excessivamente estática, carecendo de energia e dinamismo. O mesmo pode ser dito das escolhas dos arranjos das músicas, nos quais até mesmo a clássica Memories, aqui cantada por Jennifer Hudson soam arrastas e sem força (a versão de Hudson para o videoclipe do filme é melhor) e você sabe que um filme tem problemas quando não consegue acertar sua canção principal mesmo sob uma voz talentosa.

A decisão por fazer tudo em captura de movimento, substituindo em pós-produção o corpo dos atores por felinos antropomórficos também causa muitos problemas. O primeiro é a evidente desconexão entre os corpos felinos digitais e os rostos humanos dos atores, que nunca parecem ser uma coisa só. Na verdade, a impressão é que os rostos estão flutuando nos corpos dos personagens, como se fosse algum filtro ruim de Instagram. As proporções dos corpos felinos em relação aos cenários nunca parecem corretas o que piora com a inserção de criaturas com escalas diferentes, como baratas e ratos antropomórficos que são ainda mais desproporcionais e cujo visual é tão bizarramente sinistro que parecem saídos de um filme de terror dirigido por David Cronenberg.

Como todos esses personagens digitais soam excessivamente artificiais, as performances de dança tem seu impacto diluído, já que as criaturas digitais parecem estar soltas no ar, divorciadas da realidade que estamos vendo na tela. Não há uma sensação crível de corporalidade, de que estamos vendo o esforço e virtuosismo de dançarinos em mexerem seus corpos e sim marionetes desprovidas de esqueletos e músculos. Isso fica evidente no número de sapateado, no qual o felino digital nunca nos convence de que seus pés estão tocando no chão e produzindo o som do tilintar dos sapatos.

Algumas decisões de design dos personagens também causam grande estranhamento, como o fato de alguns personagens vestirem o que parece ser casacos de pele de gato. Como assim? Eles são canibais? Eles esfolam cruelmente a pele de membros da própria espécie apenas para conforto estético? Ninguém na equipe criativa pensou que isso era muito medonho? É o tipo de problema que seria facilmente evitado se ao invés de animais fotorrealistas tivéssemos apenas atores vestidos de gato com próteses e maquiagem como no teatro.

Outra escolha estranha é colocar o contorno de seios humanos nas gatas. Porque colocar seios humanos nas gatas? Gatas não têm mamas como as de mulheres humanas. Fica parecendo uma tentativa de sexualizar esses animais para o público. Leiam essa última frase em voz alta e vocês ver como essa decisão soa terrivelmente bizarra. E sim, me parece que há uma decisão deliberada em sexualizar os personagens, já que eles se mostram sexualmente excitados boa parte do tempo (em especial nos números envolvendo Taylor Swift e Jason Derulo) ao ponto em que eu pensei estar diante da paródia pornô de Cats e não do filme em si. Sério, não lembro dos gatos do musical de teatro demonstrando estar com tesão o tempo todo. Tudo isso levanta a pergunta: quem é o público alvo desse filme? Pessoas com fetiches por furries que passam o tempo na internet fazendo fanfics eróticas do Sonic se envolvendo sexualmente com personagens de My Little Pony ou Shrek? Sério, isso existe e é uma matéria-prima de pesadelos.

Esse esforço de fazer os gatos digitais parecerem sensuais produz mais constrangimento e risos do que excitação (ao menos em mim, não vou por minha mão no fogo por vocês não), mas, na verdade, tudo que os personagens fazem no filme gera mais risos e embaraço do que qualquer outro efeito. É difícil ver alguém como Judi Dench num corpo felino digital deitada em uma cesta com as pernas para o alto e não sentir qualquer outra coisa além de vergonha e o mesmo pode ser dito por Rebel Wilson lambendo a virilha ou o praticamente qualquer outra ação da maioria dos membros do elenco. Sério, é daqueles filmes que daqui há algum tempo as pessoas irão se reunir para assistir só para dar risada. Eu me sentiria genuinamente mal em ver tanta gente tarimbada com Dench ou Ian McKellen se prestando a isso, porém eles provavelmente receberam um bom dinheiro para passar por isso (e se não receberam deveriam demitir seus respectivos agentes), então não consigo ficar mal por eles.

É impressionante como cada escolha artística feita em Cats soa terrivelmente equivocada, resultando em um musical tão desastroso que chega a ficar engraçado.

Nota: 3/10


Trailer

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