quinta-feira, 9 de janeiro de 2020

Crítica – O Farol


Análise Crítica – O Farol


Resenha Crítica – O Farol
Depois de explorar o folclore dos Estados Unidos colonial no excelente A Bruxa (2016), o diretor Robert Eggers agora resolve mergulhar (trocadilho não intencional) no folclore sobre o mar, marinheiros e pessoas que trabalham com o oceano neste O Farol e o resultado é igualmente perturbador.

Filmado todo em preto e branco, a trama se passa no final do século XIX e é centrada em dois homens que trabalham em um farol situado em uma ilha remota. Winslow (Robert Pattinson) chega na ilha esperando que o novo trabalho sirva como um recomeço, mas lá encontra o veterano vigia Wake (Willem Dafoe) que além de ser um exigente chefe, também demonstra ser mentalmente instável conforme narra histórias fantasiosas de infortúnios no mar. O isolamento e a diferença de personalidade vai aos poucos ampliando os atritos entre os dois.

Tal como acontecia em A Bruxa, muito da tensão vem do fato de não sabermos se de fato existem horrores sobrenaturais rondando os personagens ou se tudo é fruto da mente deles, enfraquecida pelo isolamento, desnutrição e bebida. O uso de preto e branco permite que Eggers invista em composições cheias de contrastes entre luz e sombra que, somados aos ângulos de câmera descentralizados e por vezes inclinados, criam formas tortas, distorcidas, que criam a sensação de desconforto e a impressão de que há algo errado naquele lugar. É um modo de composição imagética bastante tributário ao movimento do cinema expressionista alemão e serve para mergulhar o espectador na perspectiva e estado mental dos personagens que vivenciam uma realidade torta na qual o mundo real se mistura com fantasia e delírios.

O som é outro elemento que nos ajuda a sentir a perturbação mental vivenciada pelos protagonistas. O constante e intenso som das máquinas a vapor que movimentam o farol e estão constantemente martelando na cabeça de Winslow é um exemplo disso, como se aquele barulho incessante fosse contribuindo para que ele perca a cabeça. Do mesmo modo, sons de tempestades, do constante canto de gaivotas e outros ruídos contribuem para esse sentimento de inquietação, de uma mente que não é deixada em paz.

Robert Pattinson, que nos últimos anos vem entregando ótimas atuações em filmes como Bom Comportamento (2017), Z:A Cidade Perdida (2016) ou The Rover: A Caçada (2014), é muito eficiente em construir a espiral de loucura pela qual seu personagem passa. Winslow começa como um homem simples e pacato e aos poucos se torna um bebedor compulsivo e agressivo conforme o isolamento e situações estranhas começam a tomar seu cotidiano. O filme cria imagens bem sinistras de tentáculos tomando o topo do farol, cadáveres aparecendo na praia, Winslow espancando uma gaivota violentamente e uma sereia seduzindo o protagonista, que se masturba furiosamente enquanto imagina (ou lembra?) fazer sexo com a criatura, incluindo imagens bem explícitas de uma vagina (ou seria cloaca?) da sereia.

Willem Dafoe traz a mesma energia insana de Pattinson e faz de Wake uma presença que é simultaneamente assustadora e patética conforme o faroleiro constantemente berra, repreende e é violento com seu subordinado ao mesmo tempo em que demonstra uma clara fragilidade mental. Graças à maneira intensa e exaltada com a qual Dafoe declama as histórias contadas pelo sujeito, é difícil não percebê-lo como uma espécie de arauto do juízo final, que está ali narrando os modos como o personagem de Pattinson poderá encontrar infortúnio naquele lugar. São histórias que remetem a diferentes mitologias, desde os mitos gregos antigos a histórias nórdicas e bretãs sobre o oceano e esse imaginário permeia toda a construção do filme. É difícil, por exemplo, ver a cena final e não pensar na história de Prometeu, condenado a ser bicado por aves eternamente depois de tentar roubar a luz do Olimpo.

Com performances intensas, imagens perturbadores e uma atmosfera de constante tensão, O Farol é um excelente exame sobre os efeitos do isolamento, do folclore sobre o oceano e dos horrores que residem naquilo que não conhecemos.

Nota: 9/10


Trailer

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