Já em seu letreiro inicial o
terror A Possessão de Mary abre com
um poema do século XVIII sobre os perigos do mar. Ao evocar o folclore marítimo
e dos Estados Unidos de séculos atrás, é difícil não pensar nos trabalhos de
Robert Eggers, que trabalhou esses temas nos ótimos A Bruxa (2016) e no recente O Farol (2020). A Possessão de Mary,
no entanto, sequer consegue chegar perto do efeito dos filmes de Eggers e cria
uma trama de possessão sem personalidade.
Na trama, o pescador David (Gary
Oldman) decide deixar de trabalhar para os outros e comprar um barco para si.
Em um leilão David se vê fascinado por um velho barco que foi encontrado
abandonado e decide comprá-lo para transformar a embarcação em um veículo
turístico. Para testar o navio, David decide fazer uma viagem até as Bahamas
acompanhado da esposa, Sarah (Emily Mortimer), das duas filhas, do namorado da
filha mais velha e do marinheiro Mike (Manuel Garcia-Rulfo). Aos poucos, coisas estranhas começam a acontecer.
Trabalhar uma narrativa em um
espaço tão pequeno e isolado como um barco de pequeno porte no meio do mar é
uma faca de dois gumes. É possível usar essa ambientação para criar algo
claustrofóbico e apreensivo como também é possível que o texto tenha
dificuldade em fazer a premissa render dentro de um número reduzido de locações
e personagens. Este filme se encaixa na segunda categoria, pois apesar de ter
apenas 84 minutos, a trama se arrasta e demora a engrenar. Isso seria perdoável
se ao menos construísse personagens interessantes ou um clima de tensão, mas
nada disso acontece. Os personagens, exceto por David e Sarah, são desprovidos
de qualquer motivação palpável ou traços identificáveis de personalidade.
Quando as coisas começam a dar errado no barco, o filme está a mais da metade
de sua minutagem e só nos últimos vinte minutos é que ele tenta construir algum
tipo de tensão.
É um daqueles filmes de terror
que acha que criar medo no espectador se resume a sustos súbitos com alguma
criatura aparecendo rapidamente na tela seguida de um barulho alto. Sem
construir uma mitologia consistente ou um mínimo de razão de ser para sua
assombração, no entanto, esses sustos soam vagos e gratuitos, prejudicados
ainda pelo péssimo fantasma digital. Toda a ideia de explorar os mitos do mar
não é devidamente aproveitada, com a trama preferindo ser um filme genérico de
possessão e ainda decidindo em se tornar um slasher
em seus últimos minutos quando um personagem possuído tenta matar todos no
barco. É difícil sentir medo porque a ameaça do barco nunca é minimamente
definida, seja no que ela quer ou em como ela age, nos deixando sem saber o que
exatamente temer.
Os conflitos familiares que a
trama gasta boa parte de sua minutagem apresentando também nunca são
aproveitados e não rendem nenhum conflito ou repercussão. Assim, a informação
de que Sarah traiu David, de que eles estavam perto do divórcio e que a viagem
de barco seria uma tentativa de recomeço, serve pouco mais do que uma motivação
inicial para que os eventos do filme aconteçam. Era de se imaginar que os
conflitos entre o casal voltassem a emergir quando as situações sobrenaturais
começassem a ocorrer no barco, mas o texto desenvolve muito pouco tudo isso.
A narrativa ainda apresenta uma
reviravolta no final que é bem previsível e feita para deixar espaço para
possíveis continuações, mas sinceramente espero que não aconteçam. Digo isso
porque A Possessão de Mary é um
terror sem ritmo e sem personalidade, que não consegue aproveitar sua premissa
e não faz nada além de jogar alguns sustos a esmo.
Nota: 2/10
Trailer
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