Em 2018 o excelente documentário Fred Rogers: O Padrinho da Criançada fazia
um consistente exame da vida do apresentador e educador Fred Rogers. O filme
foi tão bem sucedido que chegou a ser espantoso que ele tenha sido esnobado do
Oscar de melhor documentário em 2019. Documentários, no entanto, nem costumam
ter muita rentabilidade, então é inevitável que a indústria acabe fazendo um
produto de ficção com a mesma temática pouco tempo depois.
Tal como aconteceu com o
documentário Cidadãoquatro (2015),
sobre Edward Snowden, que deu origem à cinebiografia Snowden: Herói ou Traidor (2016), este Um Lindo Dia Na Vizinhança é um relato biográfico que tenta pegar
carona no sucesso de documentário. Da mesma forma que o filme sobre Snowden
dirigido por Oliver Stone, no entanto, ele não tem muito a dizer sobre seu
biografado que o documentário não tenha feito melhor.
Dirigido por Marielle Heller, do
subestimado Poderia Me Perdoar? (2019),
a trama é baseada em um artigo do repórter Tom Junod, no qual ele narrava suas
entrevistas com Fred Rogers (Tom Hanks) e como Rogers impactou sua vida. No
filme, o repórter Lloyd Vogel (Matthew Rhys) vai entrevistar Rogers e acaba
tendo sua vida transformada pelo apresentador infantil.
A questão é que a história
contada aqui é a de Lloyd, enquanto que Fred gravita em torno dele sem ter
qualquer arco narrativo próprio, se limitando a gravitar em torno de Lloyd e
resolver os conflitos familiares do jornalista e essa escolha acaba gerando
alguns problemas. O primeiro é que Lloyd é um personagem muito menos
interessante do que Rogers e todo o arco de Lloyd, que é a trama principal do
filme, envolvendo o fato do repórter não ter perdoado o pai por abandonar a mãe
soa bem lugar comum.
O texto até faz um claro esforço de
evitar sacralizar Rogers, assim como fazia o documentário, inclusive com o
inteligente diálogo no qual a esposa de Rogers diz que torná-lo um santo seria
assumir que viver como ele seria algo inalcançável e o que Rogers queria é que
pessoas desenvolvessem essas habilidades de diálogo e convivência. Esses
esforços, no entanto, são sabotados pelas próprias escolhas da trama em não dar
a Fred nada a fazer além servir à trama de Lloyd. Nesse sentido, Rogers acaba
virando essa figura metafísica que sempre aparece no exato momento em que é
necessário para dar conselhos e lições de moral.
Eu entendo que a decisão de
enquadrar a história desta maneira era para mostrar o impacto que Rogers tinha
na vida das pessoas ao seu redor, mas do jeito que está ele é reduzido a um
veículo para mover a história de Lloyd para frente. Ao menos deveriam ter dado
ao apresentador alguma trama própria para que ele tivesse mais agência sobre
suas ações.
Claro, o filme é eficiente em
mostrar como Rogers era preocupado em oferecer uma programação infantil
verdadeiramente preocupada com o desenvolvimento psicossocial das crianças ao
invés de meramente estimular o consumo. Muito disso é trabalhado em diálogos
expositivos nas entrevistas entre Lloyd e Fred, mas se é para ver entrevistas,
melhor assistir o sujeito real falando no documentário Fred Rogers: O Padrinho da Criançada.
Tom Hanks, constantemente
referido como um dos sujeitos mais boa-praça de Hollywood, era uma escolha
inevitável para interpretar alguém tão bem quisto e igualmente considerado
amável como Fred Rogers. Hanks domina cada segundo que está em cena com a
doçura e autoridade do apresentador infantil. É possível ver no olhar de Hanks
o cuidado e empatia pela qual Rogers era conhecido, mas Hanks também permite
que vejamos os sentimentos contidos que o personagem evita dar vazão.
Assim, mesmo diluindo a força da
história de seu biografado ao torná-lo um coadjuvante, Um Lindo Dia na Vizinhança ainda consegue ser um bom lembrete das
lições e da doçura de Fred Rogers.
Nota: 6/10
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