quarta-feira, 29 de janeiro de 2020

Crítica – Um Lindo Dia Na Vizinhança

Análise Crítica – Um Lindo Dia Na Vizinhança


Review – Um Lindo Dia Na Vizinhança
Em 2018 o excelente documentário Fred Rogers: O Padrinho da Criançada fazia um consistente exame da vida do apresentador e educador Fred Rogers. O filme foi tão bem sucedido que chegou a ser espantoso que ele tenha sido esnobado do Oscar de melhor documentário em 2019. Documentários, no entanto, nem costumam ter muita rentabilidade, então é inevitável que a indústria acabe fazendo um produto de ficção com a mesma temática pouco tempo depois.

Tal como aconteceu com o documentário Cidadãoquatro (2015), sobre Edward Snowden, que deu origem à cinebiografia Snowden: Herói ou Traidor (2016), este Um Lindo Dia Na Vizinhança é um relato biográfico que tenta pegar carona no sucesso de documentário. Da mesma forma que o filme sobre Snowden dirigido por Oliver Stone, no entanto, ele não tem muito a dizer sobre seu biografado que o documentário não tenha feito melhor.

Dirigido por Marielle Heller, do subestimado Poderia Me Perdoar? (2019), a trama é baseada em um artigo do repórter Tom Junod, no qual ele narrava suas entrevistas com Fred Rogers (Tom Hanks) e como Rogers impactou sua vida. No filme, o repórter Lloyd Vogel (Matthew Rhys) vai entrevistar Rogers e acaba tendo sua vida transformada pelo apresentador infantil.

A questão é que a história contada aqui é a de Lloyd, enquanto que Fred gravita em torno dele sem ter qualquer arco narrativo próprio, se limitando a gravitar em torno de Lloyd e resolver os conflitos familiares do jornalista e essa escolha acaba gerando alguns problemas. O primeiro é que Lloyd é um personagem muito menos interessante do que Rogers e todo o arco de Lloyd, que é a trama principal do filme, envolvendo o fato do repórter não ter perdoado o pai por abandonar a mãe soa bem lugar comum.

O texto até faz um claro esforço de evitar sacralizar Rogers, assim como fazia o documentário, inclusive com o inteligente diálogo no qual a esposa de Rogers diz que torná-lo um santo seria assumir que viver como ele seria algo inalcançável e o que Rogers queria é que pessoas desenvolvessem essas habilidades de diálogo e convivência. Esses esforços, no entanto, são sabotados pelas próprias escolhas da trama em não dar a Fred nada a fazer além servir à trama de Lloyd. Nesse sentido, Rogers acaba virando essa figura metafísica que sempre aparece no exato momento em que é necessário para dar conselhos e lições de moral.

Eu entendo que a decisão de enquadrar a história desta maneira era para mostrar o impacto que Rogers tinha na vida das pessoas ao seu redor, mas do jeito que está ele é reduzido a um veículo para mover a história de Lloyd para frente. Ao menos deveriam ter dado ao apresentador alguma trama própria para que ele tivesse mais agência sobre suas ações.

Claro, o filme é eficiente em mostrar como Rogers era preocupado em oferecer uma programação infantil verdadeiramente preocupada com o desenvolvimento psicossocial das crianças ao invés de meramente estimular o consumo. Muito disso é trabalhado em diálogos expositivos nas entrevistas entre Lloyd e Fred, mas se é para ver entrevistas, melhor assistir o sujeito real falando no documentário Fred Rogers: O Padrinho da Criançada.

Tom Hanks, constantemente referido como um dos sujeitos mais boa-praça de Hollywood, era uma escolha inevitável para interpretar alguém tão bem quisto e igualmente considerado amável como Fred Rogers. Hanks domina cada segundo que está em cena com a doçura e autoridade do apresentador infantil. É possível ver no olhar de Hanks o cuidado e empatia pela qual Rogers era conhecido, mas Hanks também permite que vejamos os sentimentos contidos que o personagem evita dar vazão.

Assim, mesmo diluindo a força da história de seu biografado ao torná-lo um coadjuvante, Um Lindo Dia na Vizinhança ainda consegue ser um bom lembrete das lições e da doçura de Fred Rogers.


Nota: 6/10

Trailer

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