quinta-feira, 16 de janeiro de 2020

Lixo Extraordinário – A Escala: Amizade em Segundo Lugar

Análise Crítica – A Escala: Amizade em Segundo Lugar


Review – A Escala: Amizade em Segundo Lugar
William H. Macy é um ótimo ator e trabalhou em alguns de meus filmes favoritos como Fargo (1996) Boogie Nights (1997), Magnólia (1999) ou O Quarto de Jack (2015), então fiquei curioso quando soube que ele ia fazer sua estreia como diretor com a comédia A Escala: Amizade em Segundo Lugar.

Os primeiros trailers saíram e meu interesse foi diminuindo, já que parecia ser sobre duas amigas largando tudo para disputar um homem. O tipo de premissa tão anacrônica e machista que não fazia sentido em 2017 (quando o filme foi lançado) ao ponto em que comecei a pensar que havia algo mais, Macy poderia estar fazendo um filme irônico ou que seria capaz de virar a premissa em cima dela mesma e mostrar o quanto esse tipo de olhar sobre as mulheres é datado. Mas não, o filme é mesmo sobre mulheres se tornando rivais e literalmente fazendo piruetas para o prazer visual de um homem.

Na trama Kate (Alexandra Daddario) e Meg (Kate Upton) dividem um apartamento e são amigas desde o colégio. Quando as duas sentem que suas vidas não estão indo pelo caminho que desejam, decidem viajar para espairecer. No voo as duas conhecem Ryan (Matt Barr) e imediatamente tentam conquistá-lo. Quando um furacão impedem que aterrissem no destino planejado e a companhia aérea decide colocar todos os passageiros em um hotel de luxo, Kate e Meg decidem fazer qualquer coisa para ficar com Ryan.


Chama atenção o modo histérico e desesperado com o qual a dupla de protagonistas tenta chamar a atenção de Ryan desde o primeiro momento em que o veem, como se fossem dois animais no cio ou  como se as duas nunca tivessem visto um homem antes. Por se tratar de uma comédia, poderia ser argumentado que o exagero tem propósitos cômicos, mas a conduta das duas é tão fora de qualquer padrão de comportamento feminino e humano conhecido que é difícil achar graça, principalmente quando repete o senso comum antiquado de que a vida de uma mulher se resume a correr atrás de homem.

A disputa entre Kate e Meg inclusive vai se agravando ao ponto em que as duas começam a efetivamente prejudicar uma a outra, física e psicologicamente. Para afastar a amiga/rival de Ryan, elas colocam a outra em situações de perigo físico ou as fazem reviver traumas que, pelo convívio de anos que tem, sabem que irão afetar a amiga. Se elas se conhecessem a pouco tempo talvez fosse possível tornar isso convincente, mas é bem difícil crer que amigas de décadas fariam mal uma a outra de maneira tão deliberada por um motivo tão fútil.

Como a conduta de qualquer uma das duas acaba sendo bem desprezível por causa desses excessos que elas vão para tentar conseguir ficar com um homem que mal conhecem, é difícil se importar com qualquer uma delas. Também é difícil achar graça na maioria das situações pretensamente cômicas que a trama propõe, constantemente recorrendo a uma escatologia rasteira de arrotos e fezes para tentar fazer rir, como algo saído diretamente de uma comédia estrelada por Adam Sandler.

A (previsível) reviravolta de que Ryan, na verdade, era comprometido poderia até ser usada para ressignificar tudo o que o filme fez até aqui. Poderia tornar Ryan o principal antagonista, mostrar que ele percebeu o que as duas estavam fazendo uma com a outra e deixou tudo acontecer pelo próprio prazer e usar isso para falar sobre a objetificação da mulher ou como a representação feminina no cinema é feita para reproduzir um olhar masculino que reduz a mulher a um objeto sexual. O filme, porém, não só desperdiça essa oportunidade como usa essa reviravolta para reproduzir ainda mais estereótipos anacrônicos sobre mulheres. A revelação de que a esposa de Ryan é uma megera controladora é usada tanto para justificar a traição (como se ele fosse algum coitado forçado a casar com aquela mulher) e também como punição pelo que Ryan fez com as duas, reforçando a ideia do casamento e a imagem da mulher como essa figura castradora que só existe para tolher o homem.

Em resumo, existem basicamente três personagens femininas no filme inteiro. Duas delas são completamente desesperadas para agarrar qualquer homem minimamente atraente que aparece na frente, sendo tratadas como objetos sexuais, e a terceira é uma megera castradora. Para a equipe criativa do filme, que é toda composta por homens, por sinal, mulheres são reduzidas a objetos ou a problemas, o que é uma reprodução de preconceitos antiquados e machistas que não deveria mais ter espaço no cinema. Principalmente em um produto comandado por um realizador que já participou de filmes (como os citados no primeiro parágrafo) com personagens femininas complexas que não se encaixam nesses clichês anacrônicos.

Sem graça, sem sentido e recorrendo a estereótipos grosseiros sobre mulheres A Escala: Amizade em Segundo Lugar é uma péssima estreia do ator William H. Macy como diretor.

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