Depois de chegar em seu ponto
mais baixo na quinta temporada, a sexta e última temporada de Bojack Horseman inicia com a tentativa
do protagonista em corrigir seus erros do passado e tratar sua dependência de
drogas. É uma temporada coerente com o espírito da série e o exame sincero que
seu texto faz em pessoas marcadas por traumas e problemas psicológicos, muitas
vezes usando do humor e do absurdo para falar de situações bem reais. A partir
desse ponto, o texto pode conter SPOILERS da temporada final.
Na primeira metade da temporada
acompanhamos a dificuldade de Bojack em se manter sóbrio e percebemos como seus
vícios emergem de questões passadas mal resolvidas, em especial de todos os
comprometimentos morais que fez para se manter em seu seriado de sucesso e a
culpa que carrega por ter sido a pessoa que introduziu Sarah Lynn às drogas. Durante
o percurso dele vai se construindo a impressão de que o complexo de culpa pela
morte de Sarah Lynn e como ele viveu sua vida impune aos erros que cometeu tem
uma relação direta com os vícios do personagem
Esses erros e condutas escusas
vem a público justamente na segunda metade da temporada, quando Bojack percebe
que se manter sóbrio não é tão simples quanto parece e que ter seu pior lado
exposto tão publicamente pode alienar as pessoas de sua vida. Essa exposição
pública também serve para mostrar como a sociedade e o jornalismo lidam com
homens abusivos que ocupam posições privilegiadas. Isso fica evidente na
primeira entrevista dada por Bojack depois que é publicada a relação dele com a
morte de Sarah Lynn. A repórter simplesmente permite que ele se coloque em
posição de vítima e que todo um passado de padrões de abuso sejam resolvidos
com um mero pedido de desculpas.
Como de costume, a série evita
julgamentos ou maniqueísmos simplórios, mostrando que tanto Bojack quanto as
pessoas que o rechaçam tem motivações compreensíveis (ainda que no caso de
Bojack nem sempre sejam moralmente justificáveis) para agir do jeito que agem e
talvez seja esse senso palpável de causa e consequência que torne tudo tão
doído. O melhor exemplo é o modo abrupto com o qual o protagonista é cortado da
vida de Hollyhock (Aparna Nancherla).
A ficção muitas vezes tende a
operar de um jeito diferente da realidade, explicando e amarrando tudo de um
jeito que não acontece na vida real. Aqui, no entanto, não há muita explicação,
não há uma ponta solta sendo amarrado, nunca sabemos de maneira explícita as
razões dela ou o conteúdo da carta. Como na vida real, muito fica em aberto,
não resolvido e essa secura torna o evento dolorosamente real e justifica a
espiral autodestrutiva de Bojack, afinal a irmã era talvez a principal razão
dele se manter sóbrio.
Os outros personagens também são
confrontados com seus próprios problemas ou imaturidade, seja Todd (Aaron Paul)
tentando mostrar aos pais que é adulto, Princess Carolyn (Amy Sedaris)
precisando descobrir o que quer para si mesma agora que atingiu o sucesso
profissional ou Diane (Alison Brie) enfrentando seus problemas com a depressão.
Assim como em outras temporadas, alguns episódios adotam estruturas diferentes
para tentar nos deixar imersos no universo mental de seus personagens a exemplo
do episódio que insere rabiscos para mostrar como os medicamentos
antidepressivos afetam o processo mental de Diane ou o penúltimo episódio que
se passa nos pensamentos aparentemente aleatórios da consciência de Bojack
tentando mantê-lo vivo.
O episódio final evidencia não só
as transformações que os personagens experimentaram ao longo dos seis anos da
série e o quanto se tornaram conscientes de si mesmos ao mesmo tempo em que
deixa muito aberto, sem soluções rápidas para os problemas dele. Diante de tudo
que a série construiu até aqui seria desonesto que Bojack ou Diane simplesmente
tivessem algum tipo de epifania que facilmente fizesse seus problemas
psicológicos desaparecerem e tudo desse certo para eles.
Ao invés disso a série nos deixa
com uma conversa bem sincera entre esses dois personagens nas quais admitem
suas falhas um com o outro e o quanto foram importantes para a jornada um do
outro. Talvez o elemento mais significativo seja o longo silêncio, com ambos
demonstrando o quanto estão confortáveis consigo mesmos e um com o outro ao ponto
de não precisarem dizer mais nada, apenas vivendo o momento. Se a vida deles
irá melhorar ou piorar depois disso, se Bojack irá reconstruir a carreira ou se
irá se afundar ainda mais é tudo deixado em aberto, porque nada realmente se
resolve, nenhum estado é permanente e os seres humanos (ou cavalos
antropomórficos) estão em constante transformação.
A sexta temporada de Bojack Horseman é um desfecho coerente
que nos lembra como o quanto somos criaturas falhas, não existem respostas
simples e tudo que nos resta é tentar fazer nosso melhor com o tempo que nos é
dado.
Nota: 10/10
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