Em Tempos Modernos (1936) Charlie Chaplin refletia como o processo de
industrialização reduzia o ser humano a uma mera engrenagem do grande complexo
industrial capitalista. É difícil não pensar no filme de Chaplin e na imagem do
seu personagem carregado em meio às engrenagens de uma fábrica ao assistir este
Estou Me Guardando Para Quando o Carnaval
Chegar.
Dirigido por Marcelo Gomes, o
documentário acompanha o cotidiano de Toritama, um município no agreste
pernambucano que se tornou o maior polo de produção de jeans no Brasil. Além de
fábricas, boa parte da população também trabalha de maneira autônoma em suas
próprias oficinas, sendo a maioria da cidade envolvida nas atividades. Para dar
conta do volume de pedidos, a população trabalha de domingo a domingo no ano
todo, só parando na semana de carnaval, quando a cidade fica deserta.
As imagens dos trabalhadores em
seus movimentos repetitivos trabalhando com o tecido remetem à robotização do
trabalhador pelo sistema industrial. Homem e máquina funcionam em simbiose,
como se fossem uma coisa só. A narração chega a apontar a agonia que é filmar
aquelas ações, como se observar aquilo seria endossar essa desumanização do
trabalhador.
É curioso que o discurso desses
trabalhadores vai no sentido oposto ao das imagens. Eles dizem adorar o
trabalho e a autonomia que sua própria oficina proporciona a eles, permitindo
que recebam por produção e façam seus próprios horários. O que eles não
percebem e nem o próprio filme parece se dar conta é a contradição entre esse
discurso de autonomia empreendedora e a realidade do trabalho, no qual eles
precisam de longas jornadas diárias e um calendário praticamente sem folga para
poderem garantir a subsistência. Se fossem de fato livres, tal como dizem,
poderiam escolher horas mais curtas ou menos dias de trabalho ao ano, no
entanto, da maneira como falam, eles não parecem realmente ter escolha.
Também não deixa de ser
contraditório que apesar de afirmarem gostar do trabalho e do fato de ser algo
estável com o qual podem sustentar as famílias (e nesse sentido é compreensível
que eles não reclamem daquilo que põe comida em suas mesas), que a população de
Toritama se desespere para deixar a cidade de qualquer maneira na primeira
oportunidade de folga. Quando o carnaval se aproxima, as pessoas vendem objetos
pessoais e até eletrodomésticos essenciais como geladeiras ou as máquinas que
usam para trabalhar apenas para terem dinheiro suficiente para viajarem para
fora da cidade no carnaval.
A ação também demonstra a
contradição entre o discurso de independência financeira e a realidade em que
vivem. Afinal se o trabalho praticamente ininterrupto dessas pessoas realmente
garantisse um conforto financeiro, eles não precisariam se desfaszer de objetos
básicos para fazer uma viagem. Um dos entrevistados, um homem mais velho, chega
a apontar isso, falando sobre o fato de que é um trabalho sem garantias, sem
seguro-saúde ou recolhimento de INSS e que a maioria dos jovens da cidade não
se importa com isso porque pensam a curto prazo, mas que ele, por ter mais idade
já se preocupa com o que vai acontecer quando não puder mais trabalhar ou tiver
que diminuir o ritmo, demonstrando a precariedade das condições de trabalho.
Apesar de se colocar em cena com
através de sua voz conversando com os entrevistados e também em narrações, o
diretor tem uma postura mais descritiva do que analítica, mostrando a realidade
daquele lugar, mas refletindo pouco a respeito. Isso não seria um problema se
fosse um produto de cunho mais observativo, porém, como o diretor se posiciona
dentro da narrativa e até propõe situações aos sujeitos filmados, como quando
ele paga a viagem de carnaval de um dos entrevistados, sua postura mais
participativa nos faz esperar uma maior ponderação sobre a situação que ele
filma.
As narrações até oferecem alguns
questionamentos sobre a transformação da cidade por conta da chegada da
indústria, como a antes pacata cidade agora passa os dias com o barulho quase
ininterrupto das máquinas de costura. Atividades como pecuária ou agricultura,
que outrora eram as principais do local, praticamente não são feitas mais ali.
Porém, muitas das contradições que as próprias imagens captadas apontam não são
endereçadas, inclusive o fato da cidade se manter um local relativamente pobre
apesar de ser um dos maiores polos têxteis do país. Ou seja, apesar do trabalho
duro dos moradores, pouco do dinheiro advindo da produção fica efetivamente com
eles.
Ainda que por vezes soe
superficial, Estou Me Guardando Para
Quando o Carnaval Chegar oferece um retrato instigante sobre o impacto dos
processos de industrialização no interior do Brasil.
Nota: 7/10
Trailer
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