A primeira vista, a ideia deste Jojo Rabbit ser uma comédia sobre o
nazismo parece estranha. Afinal, o nazismo foi um regime baseado em discursos
de ódio e responsável pelo extermínio de milhões. Seria possível fazer uma
comédia sobre algo tão grave sem soar desrespeitoso com toda a tragédia humana
que foi o julgo nazista? Bem, eu diria que o que pode tornar uma comédia
problemática do ponto de vista moral está menos a sua temática e mais em qual é
o alvo da piada. Ou seja, o problema é: quem está sendo ridicularizado?
Sim, pois a comédia perpassa
inevitavelmente pelo rebaixamento do alvo da piada, para rir de alguém eu devo
achá-lo ridículo, patético, indigno da minha empatia mesmo diante de uma
situação qualquer. Sob este aspecto, quem seria mais indigno de empatia do que
um nazista? Aliás, a comédia sempre se prestou a fazer graça de “assuntos
sérios” e autoridades. O gênero cresce justamente entre a plebe, que usa do
humor para ridicularizar reis e autoridades religiosas.
Peças antigas escalavam jumentos
no papel rei, por exemplo, e essa era uma forma de rebaixar essas autoridades,
de tirar pessoas em posições de poder do pedestal em que se colocaram,
mostrando que elas estão longe de serem superiores como se julgam. Isso ajudou
a por em questão certas estruturas sociais e criticar posturas absolutistas.
Não é a toa que a comédia, sempre foi considerada uma comédia inferior ao
drama, já que as noções de “bom gosto” eram controlada pelas camadas
superiores, justamente as que eram alvo da comédia. É por isso que durante
séculos (e ainda hoje) a comédia foi considerada uma forma de arte inferior
enquanto o drama (que era produzido pela aristocracia) seria uma arte mais
nobre e elevada.
Ridicularizar, rebaixar e
escarnecer é exatamente o que Jojo Rabbit
faz com os nazistas, nos mostrando o quanto seu discurso preconceituoso e
ideal de superioridade ariana não passa de algo patético, digno de menosprezo e
ridicularização. Nesse sentido, não há problema que o filme adote o humor para
falar de nazismo, já que rebaixa justamente aqueles que se colocam em posições
superiores. Seria questionável se, por outro lado, mostrasse o sofrimento das
vítimas como algo digno de riso.
Na trama, Jojo (Roman Griffin
Davis) é um garoto vivendo na Alemanha nazista que integra a juventude
hitlerista que sonha em integrar a guarda pessoal do chanceler alemão. Jojo
inclusive tem Adolf Hitler (Taika Waititi) como amigo imaginário, recebendo
conselhos dele. Os planos de Jojo mudam quanto o garoto descobre que a mãe,
Rosie (Scarlett Johansson), está escondendo uma jovem judia, Elsa (Thomasin
Mackenzie), na casa deles. Aos poucos, conforme conhece Elsa, o garoto vai
questionando seus próprios preconceitos.
A escalação de Waititi, que
também dirige o filme, como o Hitler imaginário, serve justamente ao propósito
de expor ao ridículo a ideologia nazista. Afinal, o diretor, descendente de
aborígenes neozelandeses, é completamente distante do ideal ariano e ao
colocá-lo como Hitler, com direito a lentes de contato azuis extremamente
artificiais, o filme transforma em uma caricatura patética a ideia de pureza ou
superioridade étnica. Os dogmas, os costumes e até pequenos gestos, como os
constantes “heil Hitler” são
transformados em preconceitos ou cacoetes ridículos (como na cena envolvendo os
personagens de Sam Rockwell e Stephen Merchant fazendo múltiplas saudações),
revelando que os nazistas, a despeito de se verem como guerreiros nobres e
puros, são seres humanos baixos, vis e essencialmente patéticos.
Apesar de pender muito para a
comédia, a condução de Waititi sabe dar aos momentos de drama o tempo
necessário para causarem o devido impacto e que sintamos o peso dos
acontecimentos ou a ameaça da guerra sobre os personagens, algo que o diretor
não foi capaz de fazer no superestimado Thor Ragnarok (2017), no qual cada momento dramático que se apresentava era
rapidamente interrompido por uma piadinha inoportuna. Aqui, por outro lado,
sentimos o desespero de Jojo quando a guerra chega em sua cidade ou a dor do
garoto quando alguém importante morre.
Muito dessa emoção também vem do
próprio elenco. O garoto Roman Griffin Davis da a Jojo um otimismo e
ingenuidade que nos permitem perceber que ele só aderiu ao discurso nazista não
por ser um preconceituoso desprezível, mas por não conhecer nada além disso. Já
Scarlett Johansson dá a Rosie um sentimento de pesar tanto pelo filho estar se
perdendo dentro da máquina de propaganda nazista quanto à falta de
possibilidade de sair daquela situação.
O problema é que o filme perde um
pouco de fôlego em seu miolo, se prendendo demais às interações entre Jojo e
Elsa ao ponto em que começa a soar redundante por já termos entendido o que o
texto quer daqueles personagens e ainda assim ele fica repetindo cena após cena
de Jojo fazendo a Elsa perguntas esdrúxulas sobre como são os judeus. Desta
maneira, muito do que a fita poderia dizer sobre a situação acaba sendo
reduzido ao clichê de que todo preconceito poderia se acabar se as pessoas
simplesmente sentassem e conversassem, o que na realidade não é tão simples,
mas que funciona no contexto do filme pelo fato do protagonista ser uma criança
que ainda está aprendendo e descobrindo como o mundo funciona.
Assim, apesar do meio da trama
ser um pouco redundante e de não aproveitar plenamente o potencial de sua
premissa, Jojo Rabbit é uma
competente comédia que nos lembra como o escárnio pode ser usado como
ferramenta crítica.
Nota: 7/10
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