terça-feira, 4 de fevereiro de 2020

Crítica – Jojo Rabbit


Análise Crítica – Jojo Rabbit


Review – Jojo Rabbit
A primeira vista, a ideia deste Jojo Rabbit ser uma comédia sobre o nazismo parece estranha. Afinal, o nazismo foi um regime baseado em discursos de ódio e responsável pelo extermínio de milhões. Seria possível fazer uma comédia sobre algo tão grave sem soar desrespeitoso com toda a tragédia humana que foi o julgo nazista? Bem, eu diria que o que pode tornar uma comédia problemática do ponto de vista moral está menos a sua temática e mais em qual é o alvo da piada. Ou seja, o problema é: quem está sendo ridicularizado?

Sim, pois a comédia perpassa inevitavelmente pelo rebaixamento do alvo da piada, para rir de alguém eu devo achá-lo ridículo, patético, indigno da minha empatia mesmo diante de uma situação qualquer. Sob este aspecto, quem seria mais indigno de empatia do que um nazista? Aliás, a comédia sempre se prestou a fazer graça de “assuntos sérios” e autoridades. O gênero cresce justamente entre a plebe, que usa do humor para ridicularizar reis e autoridades religiosas.

Peças antigas escalavam jumentos no papel rei, por exemplo, e essa era uma forma de rebaixar essas autoridades, de tirar pessoas em posições de poder do pedestal em que se colocaram, mostrando que elas estão longe de serem superiores como se julgam. Isso ajudou a por em questão certas estruturas sociais e criticar posturas absolutistas. Não é a toa que a comédia, sempre foi considerada uma comédia inferior ao drama, já que as noções de “bom gosto” eram controlada pelas camadas superiores, justamente as que eram alvo da comédia. É por isso que durante séculos (e ainda hoje) a comédia foi considerada uma forma de arte inferior enquanto o drama (que era produzido pela aristocracia) seria uma arte mais nobre e elevada.

Ridicularizar, rebaixar e escarnecer é exatamente o que Jojo Rabbit faz com os nazistas, nos mostrando o quanto seu discurso preconceituoso e ideal de superioridade ariana não passa de algo patético, digno de menosprezo e ridicularização. Nesse sentido, não há problema que o filme adote o humor para falar de nazismo, já que rebaixa justamente aqueles que se colocam em posições superiores. Seria questionável se, por outro lado, mostrasse o sofrimento das vítimas como algo digno de riso.

Na trama, Jojo (Roman Griffin Davis) é um garoto vivendo na Alemanha nazista que integra a juventude hitlerista que sonha em integrar a guarda pessoal do chanceler alemão. Jojo inclusive tem Adolf Hitler (Taika Waititi) como amigo imaginário, recebendo conselhos dele. Os planos de Jojo mudam quanto o garoto descobre que a mãe, Rosie (Scarlett Johansson), está escondendo uma jovem judia, Elsa (Thomasin Mackenzie), na casa deles. Aos poucos, conforme conhece Elsa, o garoto vai questionando seus próprios preconceitos.

A escalação de Waititi, que também dirige o filme, como o Hitler imaginário, serve justamente ao propósito de expor ao ridículo a ideologia nazista. Afinal, o diretor, descendente de aborígenes neozelandeses, é completamente distante do ideal ariano e ao colocá-lo como Hitler, com direito a lentes de contato azuis extremamente artificiais, o filme transforma em uma caricatura patética a ideia de pureza ou superioridade étnica. Os dogmas, os costumes e até pequenos gestos, como os constantes “heil Hitler” são transformados em preconceitos ou cacoetes ridículos (como na cena envolvendo os personagens de Sam Rockwell e Stephen Merchant fazendo múltiplas saudações), revelando que os nazistas, a despeito de se verem como guerreiros nobres e puros, são seres humanos baixos, vis e essencialmente patéticos.

Apesar de pender muito para a comédia, a condução de Waititi sabe dar aos momentos de drama o tempo necessário para causarem o devido impacto e que sintamos o peso dos acontecimentos ou a ameaça da guerra sobre os personagens, algo que o diretor não foi capaz de fazer no superestimado Thor Ragnarok (2017), no qual cada momento dramático que se apresentava era rapidamente interrompido por uma piadinha inoportuna. Aqui, por outro lado, sentimos o desespero de Jojo quando a guerra chega em sua cidade ou a dor do garoto quando alguém importante morre.

Muito dessa emoção também vem do próprio elenco. O garoto Roman Griffin Davis da a Jojo um otimismo e ingenuidade que nos permitem perceber que ele só aderiu ao discurso nazista não por ser um preconceituoso desprezível, mas por não conhecer nada além disso. Já Scarlett Johansson dá a Rosie um sentimento de pesar tanto pelo filho estar se perdendo dentro da máquina de propaganda nazista quanto à falta de possibilidade de sair daquela situação.

O problema é que o filme perde um pouco de fôlego em seu miolo, se prendendo demais às interações entre Jojo e Elsa ao ponto em que começa a soar redundante por já termos entendido o que o texto quer daqueles personagens e ainda assim ele fica repetindo cena após cena de Jojo fazendo a Elsa perguntas esdrúxulas sobre como são os judeus. Desta maneira, muito do que a fita poderia dizer sobre a situação acaba sendo reduzido ao clichê de que todo preconceito poderia se acabar se as pessoas simplesmente sentassem e conversassem, o que na realidade não é tão simples, mas que funciona no contexto do filme pelo fato do protagonista ser uma criança que ainda está aprendendo e descobrindo como o mundo funciona.

Assim, apesar do meio da trama ser um pouco redundante e de não aproveitar plenamente o potencial de sua premissa, Jojo Rabbit é uma competente comédia que nos lembra como o escárnio pode ser usado como ferramenta crítica.

Nota: 7/10


Trailer

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