Eu não estava preparado para a
bagunça que é este A Última Coisa Que Ele
Queria e isso não é um elogio. Considerando que a diretora Dee Rees vinha
do bacana Mudbound (2017), que também
era uma adaptação de um livro com múltiplas tramas e um pano de fundo
histórico, esperava algo com a consistência do trabalho anterior da diretora.
Infelizmente, o resultado mais parece algo que deveria ser uma minissérie com
meia dúzia de episódios que foi de última hora transformado em um longa de duas
horas e precisou ser editado ao ponto de praticamente não conseguir fazer
sentido.
A trama, que adapta um romance
(que não li) de Joan Didion, se passa na década de oitenta e segue a repórter Elena
McMahon (Anne Hathaway), que está investigando o envolvimento do governo dos Estados Unidos com
o financiamento dos Contras na Nicarágua, mas é retirada da tarefa por seu
editor, que a coloca para cobrir a campanha eleitoral. Ao mesmo tempo, Elena
descobre que seu pai biológico, Dick (Willem Dafoe), está perto de morrer e ele
lhe pede que complete seu último serviço. Dick era um contrabandista
internacional e seu trabalho final era justamente levar uma carga para a
Nicarágua e assim Elena vai cumprir o último desejo de seu pai e terminar sua
investigação.
Considerando que o roteiro teve
as mãos da própria diretora na escrita, é impressionante como a trama sequer
consegue conectar uma cena a outra ou estabelecer motivações, relações de causa
e efeito ou elementos mínimos de coesão narrativa. Um exemplo é a cena em que
Elena encontra o agente do governo Treat (Ben Affleck) em um hotel e ela começa
a confidenciar a ele todos os problemas que teve desde que chegou na América
Central. Até então o filme tinha estabelecido que eles tinham uma relação nada
amigável e naquele momento Elena não tinha qualquer razão para confiar nele e
ainda assim confia. Um corte mostra a cena seguinte dos dois nus na cama e
nesse momento eu pausei o filme e voltei para assistir a cena anterior na
íntegra, já que nada dava qualquer indício de que eles iriam se envolver.
Pensei que tivesse perdido algum diálogo importante, mas revendo tudo percebi
que não, o filme simplesmente inseriu isso sem fazer a devida construção.
Esse é um problema que permeia
todo o produto. Não há qualquer senso de conexão entre uma cena e a seguinte.
Personagens entram sem ser devidamente apresentados, como que jogados de
qualquer jeito na tela e não tem motivações razoavelmente construídas ao ponto
em que suas decisões soem minimamente orgânicas. É nível Gotti (2018) de desconexão narrativa. A protagonista Elena é um
exemplo disso. Se ela tinha uma péssima relação com o pai, porque ajudá-lo?
Ainda mais em uma atividade criminosa potencialmente perigosa que ela conhecia
pouco. Sim, ela queria retornar à matéria que estava pesquisando, mas se jogar
no perigo sem saber onde está pisando faz Elena soar uma amadora estúpida e não
uma repórter intrépida, sendo difícil se conectar ou se importar com ela e
também ter qualquer sensação de urgência ou suspense.
Ao menos o filme tem algo a dizer
sobre o intervencionismo estadunidense na América Latina, certo? Bem, também
não. Na verdade, todo o contexto histórico é tão mal apresentado que se eu não
tivesse conhecimento prévio sobre a questão dos Contras eu ficaria boiando na narrativa.
Mais que sequer ser capaz de construir o contexto político com clareza, a trama
não tem muito a dizer sobre a questão exceto o óbvio: que as atitudes do
governo estadunidense são condenáveis. É difícil afirmar que o texto não vai
além da superfície porque ele mal consegue comunicar com clareza o que está em
jogo para sequer haver uma superfície de enunciado aqui.
Incoerente, vazio e confuso A Última Coisa Que Ele Queria é tão ruim
e tão incapaz de fazer funcionar qualquer um de seus elementos que chega a ser
surpreendente dados os nomes envolvidos.
Nota: 1/10
Trailer
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