segunda-feira, 24 de fevereiro de 2020

Crítica – A Última Coisa Que Ele Queria

Análise Crítica – A Última Coisa Que Ele Queria


Review – A Última Coisa Que Ele Queria
Eu não estava preparado para a bagunça que é este A Última Coisa Que Ele Queria e isso não é um elogio. Considerando que a diretora Dee Rees vinha do bacana Mudbound (2017), que também era uma adaptação de um livro com múltiplas tramas e um pano de fundo histórico, esperava algo com a consistência do trabalho anterior da diretora. Infelizmente, o resultado mais parece algo que deveria ser uma minissérie com meia dúzia de episódios que foi de última hora transformado em um longa de duas horas e precisou ser editado ao ponto de praticamente não conseguir fazer sentido.

A trama, que adapta um romance (que não li) de Joan Didion, se passa na década de oitenta e segue a repórter Elena McMahon (Anne Hathaway), que está investigando o envolvimento do governo dos Estados Unidos com o financiamento dos Contras na Nicarágua, mas é retirada da tarefa por seu editor, que a coloca para cobrir a campanha eleitoral. Ao mesmo tempo, Elena descobre que seu pai biológico, Dick (Willem Dafoe), está perto de morrer e ele lhe pede que complete seu último serviço. Dick era um contrabandista internacional e seu trabalho final era justamente levar uma carga para a Nicarágua e assim Elena vai cumprir o último desejo de seu pai e terminar sua investigação.


Considerando que o roteiro teve as mãos da própria diretora na escrita, é impressionante como a trama sequer consegue conectar uma cena a outra ou estabelecer motivações, relações de causa e efeito ou elementos mínimos de coesão narrativa. Um exemplo é a cena em que Elena encontra o agente do governo Treat (Ben Affleck) em um hotel e ela começa a confidenciar a ele todos os problemas que teve desde que chegou na América Central. Até então o filme tinha estabelecido que eles tinham uma relação nada amigável e naquele momento Elena não tinha qualquer razão para confiar nele e ainda assim confia. Um corte mostra a cena seguinte dos dois nus na cama e nesse momento eu pausei o filme e voltei para assistir a cena anterior na íntegra, já que nada dava qualquer indício de que eles iriam se envolver. Pensei que tivesse perdido algum diálogo importante, mas revendo tudo percebi que não, o filme simplesmente inseriu isso sem fazer a devida construção.

Esse é um problema que permeia todo o produto. Não há qualquer senso de conexão entre uma cena e a seguinte. Personagens entram sem ser devidamente apresentados, como que jogados de qualquer jeito na tela e não tem motivações razoavelmente construídas ao ponto em que suas decisões soem minimamente orgânicas. É nível Gotti (2018) de desconexão narrativa. A protagonista Elena é um exemplo disso. Se ela tinha uma péssima relação com o pai, porque ajudá-lo? Ainda mais em uma atividade criminosa potencialmente perigosa que ela conhecia pouco. Sim, ela queria retornar à matéria que estava pesquisando, mas se jogar no perigo sem saber onde está pisando faz Elena soar uma amadora estúpida e não uma repórter intrépida, sendo difícil se conectar ou se importar com ela e também ter qualquer sensação de urgência ou suspense.

Ao menos o filme tem algo a dizer sobre o intervencionismo estadunidense na América Latina, certo? Bem, também não. Na verdade, todo o contexto histórico é tão mal apresentado que se eu não tivesse conhecimento prévio sobre a questão dos Contras eu ficaria boiando na narrativa. Mais que sequer ser capaz de construir o contexto político com clareza, a trama não tem muito a dizer sobre a questão exceto o óbvio: que as atitudes do governo estadunidense são condenáveis. É difícil afirmar que o texto não vai além da superfície porque ele mal consegue comunicar com clareza o que está em jogo para sequer haver uma superfície de enunciado aqui.

Incoerente, vazio e confuso A Última Coisa Que Ele Queria é tão ruim e tão incapaz de fazer funcionar qualquer um de seus elementos que chega a ser surpreendente dados os nomes envolvidos.

Nota: 1/10


Trailer

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