Narrativas policiais são calcadas
no uso da razão e raciocínio lógico para desvendar crimes. Esse gênero
narrativo já recorreu a personagens com metodologias baseadas em diferentes
campos do conhecimento, inclusive aqueles que tentam compreender o funcionamento
da mente humana. Nesse sentido, o gênero já recorreu mais de uma vez à figura
de Sigmund Fred, o pai da psicanálise, como esse investigador arguto capaz de
resolver crimes tão complicados que parecem até sobrenaturais. No cinema ele já
chegou a se aliar a Sherlock Holmes em Visões
de Sherlock Holmes (1976) e agora é levado para a televisão na minissérie
alemã Freud.
A trama se baseia em um período
da vida do médico sobre o qual há pouco registro, então a narrativa tenta
imaginar o que teria acontecido com Freud (Robert Finster) nessa lacuna. Nesse
sentido, acompanhamos Freud enquanto ele tenta defender suas ideias sobre o
inconsciente enquanto se envolve com um mistério envolvendo a misteriosa Fleur
Salomé (Ella Rumpf), que sob o transe hipnótico aparentemente consegue prever
crimes. Onde muitos pensam existir uma conexão sobrenatural, Freud suspeita de
haver um problema relacionado ao inconsciente da jovem mulher.
A trama demora um pouco de
engrenar e deixar claro quais são os principais conflitos e objetivos dos
personagens principais, mas compensa com uma atmosfera sombria, carregada pelo
sentimento de que uma grande ameaça, seja ela metafísica ou fruto da psique
humana, está a espreita. Ao longo da temporada a trama consegue criar imagens
sinistras, como as que envolvem o estranho culto liderado pelos antagonistas ou
as memórias traumáticas de guerra do policial Kiss (Georg Friedrich).
Essas imagens brutais também são
vistas nos hospitais em que Freud trabalha como parte dos tratamentos a
pacientes com problemas mentais. A trama é eficiente em mostrar como essas
técnicas antigas estavam mais próximas de tortura do que efetivamente de
tratamento, ilustrando o debate científico em torno de toda a questão
manicomial e a busca de Freud por tratamentos mais humanos e com resultados
melhores em seus pacientes. Nesse sentido, a narrativa consegue mostrar como a
psicanálise e a ideia de inconsciente defendida por Freud transformou o campo
da saúde, especialmente o campo da saúde mental.
Ao longo da investigação, a trama
mostra como Freud foi desenvolvendo suas noções de tabu, dissociação, libido e
outros conceitos-chave de seus métodos. Tudo bem que na vida real provavelmente
não foi dessa maneira que Freud chegou a essas noções, mas o texto faz um bom
trabalho em usar os eventos da trama para ilustrar e explicar de maneira
orgânica e compreensível esses conceitos para um público leigo.
O fato dos vilões usarem a
hipnose para manipular as pessoas ou ocultar verdades é um modo de chamar
atenção para os perigos em confiar em indivíduos que usam desses recursos sem o
conhecimento da medicina ou psicanálise. Assim como acontecia na época da
trama, ainda hoje temos falsos místicos e “terapeutas” sem formação alguma que
clamam usar a hipnose para produzir milagres ou curas instantâneas para
transtornos psíquicos cujo tratamento na mão de profissionais sérios leva tempo
para dar resultados consistentes.
A trama dos vilões, no entanto, é
um pouco prejudicada pelo fato do texto passar muito rapidamente pelo contexto
histórico da época e as questões envolvendo a rivalidade entre Áustria e
Hungria. Claro, é possível compreender o desejo de vingança deles frente às
experiências violentas e traumáticas. Ainda assim toda a questão do conflito
entre os dois países é meio que tratada confiando que o público entenda
plenamente o contexto por trás de tudo e isso certamente deve ser o caso da
audiência alemã e austríaca para o qual a série foi inicialmente pensada, mas
talvez nem tanto para o resto do mundo.
De todo modo, Freud consegue criar um mistério e
atmosfera envolventes ao mesmo tempo em que explica os motivos de seu
protagonista ser tão influente no campo acadêmico.
Nota: 8/10
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