terça-feira, 21 de abril de 2020

Crítica – Sergio


Análise Crítica – Sergio


Review – Sergio
Na primeira cena deste Sergio, vemos o protagonista gravando um vídeo institucional da ONU explicando o valor e a importância da diplomacia e da organização. Essa imagem é retomada na cena final junto com uma cartela de texto que explica que a morte do diplomata no Iraque acabou com as negociações de paz e afundou a região no caos, dando origem ao Estado Islâmico. Com esses elementos era de se imaginar que o filme se concentraria na vida profissional do brasileiro Sergio Vieira de Mello e sua importância no campo diplomático, no entanto, essa acaba sendo uma parcela muito pequena da trama, a despeito de suas intenções em falar da ONU e da importância do diálogo.

A narrativa começa com a chegada de Sergio (Wagner Moura) ao Iraque para intermediar a saída das forças militares da coalizão liderada pelos Estados Unidos na invasão ao país e o governo temporário do Iraque. A intenção de Sergio é devolver a soberania nacional aos iraquianos, mas os estadunidenses tem outros planos. Apesar desse ser o ponto de partida, o que poderia funcionar como um tenso drama político, a trama salta entre vários tempos e lugares para mostrar o trabalho diplomático dele em lugares como Camboja e Timor Leste, sua relação amorosa com a argentina Carolina (Ana de Armas) e seu sofrimento sob os escombros do prédio da ONU no Iraque após o atentado a bomba que eventualmente o mataria.


É sobre esses dois últimos aspectos que o texto irá se deter, o que é uma escolha confusa considerando que o início e o final do filme parecem destacar a diplomacia como o ponto focal da mensagem da obra, mas, ainda assim, escolhem os dois recortes que menos tem relação com isso. O foco no romance com Carolina gera vários momentos de inconsistência tonal, quando saímos, por exemplo, de uma tensa negociação entre Sergio e os rebeldes do Timor Leste para uma cena do protagonista e a companheira cozinhando em casa. Claro, não é impossível fazer uma narrativa que tentasse mesclar a vida pessoal e a vida profissional do biografado, mas a maneira como é feita aqui transita de maneira muito abrupta entre as duas coisas.

Não ajuda que o filme atire em várias direções e insira muitos conflitos e arcos que não são plenamente desenvolvidos e se baseiam quase que exclusivamente em diálogos expositivos. Um exemplo é a relação de Sergio com os filhos do primeiro casamento, que só são citados quando o filme já passou da metade de sua minutagem e depois de uma cena que mostra a difícil relação do diplomata com os dois filhos eles nunca são citados novamente. O mesmo acontece com a missão de Sergio ao Camboja, que aparece em uma única cena e depois não repercute em mais nada. Há uma cena em que Sergio e Carolina até tentam refletir sobre como o imperialismo e colonialismo interferem na diplomacia, mas a discussão é abruptamente interrompida para que o filme priorize o romance dos dois.

O principal problema, no entanto, é a quantidade de tempo dedicada a Sergio nos escombros. São momentos que perpassam todo o filme e tem muito pouco a dizer sobre o personagem, sendo basicamente uma exploração sensacionalista do sofrimento dele e da equipe. A impressão é que isso foi construído para representar uma espécie de calvário, uma via crúcis, um martírio no qual o protagonista morre por seguir seus princípios, transformando-o em uma espécie de santo e fazendo a trama ser mais uma hagiografia do que uma biografia. Ao invés de tentar nos aproximar do personagem ao estudar sua vida nos mostrar sua complexidade e contradições como ser humano, a trama opta por apresentá-lo como um individuo idealizado, quase que metafísico.

Os momentos de mais força são justamente aqueles que focam no trabalho diplomático e pacificador de Sergio, como na cena em que ele anda pelas ruas do Timor Leste e dialoga com os populares, tentando entender as expectativas da população. Isso rende um dos melhores momentos do filme, quando ele indaga a uma senhora o que ela espera para o país e a mulher recita a ele uma poesia.

Nesses momentos vemos Sergio como alguém cujo talento enquanto diplomata era o de ser capaz de ouvir as pessoas e compreender suas demandas, de entender o que cada lado quer e buscar um terreno comum. Algo também evidenciado quando decide se submeter e submeter sua equipe ao governo revolucionário do Timor como uma tentativa de ganhar a confiança deles e mostrar que estão ali de fato para ajudar o país a se tornar independente e não impor a vontade de potências internacionais.

A interpretação de Wagner Moura dá ao personagem um olhar compassivo e uma postura obstinada que nos convence e nos faz crer na importância da diplomacia como ferramenta para mediação de conflitos e no papel da ONU como um órgão independente capaz de funcionar como árbitro internacional. Um papel que se esvaziou nos últimos anos, graças a decisões cada vez mais unilaterais das potências globais e da ascensão de líderes mundiais com posturas radicalmente isolacionistas.

Moura também é eficiente em evocar o carisma e magnetismo pessoal do diplomata, dando a ele um certo ar de galã que justifica a tentativa de mostrar a vida amorosa do personagem. Ainda que, como já foi explicado, os segmentos românticos pareçam pertencer a um filme diferente daquele interessado na diplomacia.

Sergio é um filme cheio de boas intenções, mas nunca consegue dar conta delas, atirando em várias direções ao mesmo tempo sem fazer nenhuma delas funcionar plenamente.

Nota: 4/10


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