Na primeira cena deste Sergio, vemos o protagonista gravando um
vídeo institucional da ONU explicando o valor e a importância da diplomacia e
da organização. Essa imagem é retomada na cena final junto com uma cartela de
texto que explica que a morte do diplomata no Iraque acabou com as negociações
de paz e afundou a região no caos, dando origem ao Estado Islâmico. Com esses
elementos era de se imaginar que o filme se concentraria na vida profissional
do brasileiro Sergio Vieira de Mello e sua importância no campo diplomático, no
entanto, essa acaba sendo uma parcela muito pequena da trama, a despeito de
suas intenções em falar da ONU e da importância do diálogo.
A narrativa começa com a chegada
de Sergio (Wagner Moura) ao Iraque para intermediar a saída das forças
militares da coalizão liderada pelos Estados Unidos na invasão ao país e o
governo temporário do Iraque. A intenção de Sergio é devolver a soberania
nacional aos iraquianos, mas os estadunidenses tem outros planos. Apesar desse
ser o ponto de partida, o que poderia funcionar como um tenso drama político, a
trama salta entre vários tempos e lugares para mostrar o trabalho diplomático
dele em lugares como Camboja e Timor Leste, sua relação amorosa com a argentina
Carolina (Ana de Armas) e seu sofrimento sob os escombros do prédio da ONU no
Iraque após o atentado a bomba que eventualmente o mataria.
É sobre esses dois últimos
aspectos que o texto irá se deter, o que é uma escolha confusa considerando que
o início e o final do filme parecem destacar a diplomacia como o ponto focal da
mensagem da obra, mas, ainda assim, escolhem os dois recortes que menos tem
relação com isso. O foco no romance com Carolina gera vários momentos de
inconsistência tonal, quando saímos, por exemplo, de uma tensa negociação entre
Sergio e os rebeldes do Timor Leste para uma cena do protagonista e a
companheira cozinhando em casa. Claro, não é impossível fazer uma narrativa que
tentasse mesclar a vida pessoal e a vida profissional do biografado, mas a
maneira como é feita aqui transita de maneira muito abrupta entre as duas
coisas.
Não ajuda que o filme atire em
várias direções e insira muitos conflitos e arcos que não são plenamente
desenvolvidos e se baseiam quase que exclusivamente em diálogos expositivos. Um
exemplo é a relação de Sergio com os filhos do primeiro casamento, que só são
citados quando o filme já passou da metade de sua minutagem e depois de uma
cena que mostra a difícil relação do diplomata com os dois filhos eles nunca
são citados novamente. O mesmo acontece com a missão de Sergio ao Camboja, que
aparece em uma única cena e depois não repercute em mais nada. Há uma cena em
que Sergio e Carolina até tentam refletir sobre como o imperialismo e
colonialismo interferem na diplomacia, mas a discussão é abruptamente
interrompida para que o filme priorize o romance dos dois.
O principal problema, no entanto,
é a quantidade de tempo dedicada a Sergio nos escombros. São momentos que
perpassam todo o filme e tem muito pouco a dizer sobre o personagem, sendo
basicamente uma exploração sensacionalista do sofrimento dele e da equipe. A
impressão é que isso foi construído para representar uma espécie de calvário,
uma via crúcis, um martírio no qual o protagonista morre por seguir seus
princípios, transformando-o em uma espécie de santo e fazendo a trama ser mais
uma hagiografia do que uma biografia. Ao invés de tentar nos aproximar do
personagem ao estudar sua vida nos mostrar sua complexidade e contradições como
ser humano, a trama opta por apresentá-lo como um individuo idealizado, quase
que metafísico.
Os momentos de mais força são
justamente aqueles que focam no trabalho diplomático e pacificador de Sergio,
como na cena em que ele anda pelas ruas do Timor Leste e dialoga com os
populares, tentando entender as expectativas da população. Isso rende um dos
melhores momentos do filme, quando ele indaga a uma senhora o que ela espera
para o país e a mulher recita a ele uma poesia.
Nesses momentos vemos Sergio como
alguém cujo talento enquanto diplomata era o de ser capaz de ouvir as pessoas e
compreender suas demandas, de entender o que cada lado quer e buscar um terreno
comum. Algo também evidenciado quando decide se submeter e submeter sua equipe
ao governo revolucionário do Timor como uma tentativa de ganhar a confiança
deles e mostrar que estão ali de fato para ajudar o país a se tornar
independente e não impor a vontade de potências internacionais.
A interpretação de Wagner Moura
dá ao personagem um olhar compassivo e uma postura obstinada que nos convence e
nos faz crer na importância da diplomacia como ferramenta para mediação de
conflitos e no papel da ONU como um órgão independente capaz de funcionar como
árbitro internacional. Um papel que se esvaziou nos últimos anos, graças a
decisões cada vez mais unilaterais das potências globais e da ascensão de
líderes mundiais com posturas radicalmente isolacionistas.
Moura também é eficiente em
evocar o carisma e magnetismo pessoal do diplomata, dando a ele um certo ar de
galã que justifica a tentativa de mostrar a vida amorosa do personagem. Ainda
que, como já foi explicado, os segmentos românticos pareçam pertencer a um
filme diferente daquele interessado na diplomacia.
Sergio é um filme cheio de boas intenções, mas nunca consegue dar
conta delas, atirando em várias direções ao mesmo tempo sem fazer nenhuma delas
funcionar plenamente.
Nota: 4/10
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