Produzida por Ryan Murphy, criador de séries como American Horror Story e American Crime Story, a
minissérie Hollywood começa como mais
uma trama sobre como a indústria do cinema é uma máquina de moer gente. Aos
poucos, no entanto, vai se mostrando algo mais e se transforma em uma fábula
revisionista que mostra como a arte pode (ou poderia) moldar progressos
sociais.
A narrativa se passa na década de
50 e acompanha um grupo de pessoas que chega a Los Angeles com o sonho de
vencerem em Hollywood. Jack (David Corenswet) deseja se tornar ator, Archie (Jeremy
Pope) sonha em ser roteirista, Ray (Darren Criss) quer ser diretor e Camille
(Laura Harrier) quer ser atriz. Eles convergem no roteiro que Archie escreve
sobre a vida de Peg Entwistle, uma figura real que tentou ser atriz, mas quando
fracassou se suicidou se jogando do alto do letreiro de Hollywood.
A morte real de Entwistle serve
para mostrar como a Hollywood da época (e mesmo hoje) era um lugar de sonhos
partidos, que pega pessoas ingênuas e as destrói por completo e a jornada dos
personagens parece refletir isso. Sem perspectivas de se estabelecer em
Hollywood ou conseguir outro emprego, Jack e Archie acabam por se prostituir no
serviço comandado por Ernie (Dylan McDermott). Camille consegue um contrato em
um grande estúdio, mas por ser negra só é escalada como empregada ou serviçal.
Em seus trabalhos Jack e Archie
começam a encontrar figuras grandes ou promissoras dessa indústria, como a
chefe de estúdio Avis Amberg (Patti LuPone) ou o ator Rock Hudson (Jake
Picking), que é também baseado em uma figura que realmente existiu. A partir
daí vemos a lógica pela qual Hollywood opera, não baseada no talento, mas em
quem você conhece. A questão, como a série mostra, é que o sucesso também não é
só baseado nessa rede de relacionamentos, mas em uma rede que se fundamente em
uma lógica de exploração e abuso, com direito a testes do sofá e trocas de
favores. Isso fica evidente na relação de Rock com seu agente, Henry (Jim
Parsons), que constantemente exige serviços sexuais de Hudson para conseguir
testes de elenco para o cliente.
Mais que isso, a trama mostra
como Hollywood é um espaço controlado por pessoas brancas heterossexuais que
discriminam e constroem estereótipos preconceituosos de pessoas que não se
encaixam nesses padrões. A decisão de recorrer a figuras reais entre seus
personagens fictícios ajuda a dar a dimensão e o peso dessa exclusão, já que
hoje sabemos que Rock Hudson foi forçado a ficar no armário para preservar a
carreira ou que Anna May Wong (Michelle Krusiec) era sempre preterida por atrizes
brancas, mesmo quando o papel era de uma personagem asiática como aconteceu em Terra dos Deuses (1937), quando uma
atriz branca foi escalada no lugar dela para viver uma personagem chinesa.
Desse modo, a série tenta chamar
atenção para questões de representatividade e como a falta dessa
representatividade contribui para a perpetuação de preconceitos e estereótipos
nocivos quando o poder e alcance dessa indústria poderiam ser usados para
combater esses mecanismos de exclusão. Cenas como as reações ao Oscar no
episódio final mostram o poder que essa representatividade tem e o quanto ela
inspira as pessoas, mas em outros há um excesso de didatismo para explicar
esses temas, como se os personagens estivessem palestrando ao público, como na
cena em que Ray e Dick (Joe Mantello) falam sobre questões de
representatividade, o que dilui um pouco a força do discurso.
Imagino que muitos vão dizer que
o episódio final resolve tudo de maneira muito fácil e que os resultados dos
personagens são pouco críveis considerando o quanto a sociedade estadunidense
da época era (ainda é, na verdade) preconceituosa, inclusive porque certos
personagens são reais, como Rock Hudson, e sabemos que as histórias deles no
mundo real não foram assim. Hudson nunca saiu do armário e sua sexualidade só
foi admitida publicamente depois de sua morte. Eu diria, no entanto, que esse é
exatamente o ponto do final: o de funcionar como uma fábula revisionista. A
ideia já é mostrada no título do episódio “Um Final de Hollywood”, deixando
claro que estamos diante de uma fantasia na qual tudo dará certo para nos dar
um típico final feliz hollywoodiano.
A arte não tem necessariamente a
obrigação de ser realista e se afastar da realidade não torna uma narrativa
automaticamente um escapismo alienante. A fantasia e a fábula podem ser usados
como mecanismo para mostrar como o mundo poderia ser ou o mundo que queríamos
que existisse. Isso é feito não para enganar ou distrair, mas para nos
inspirar, para nos lembrar que o mundo pode ser melhor do que é e que podemos
transformar a sociedade com nossas ações. Que a arte tem esse poder mover as
pessoas, despertar afetos, nos engajar no mundo.
Da mesma forma que Tarantino
matou o nazismo no cinema em Bastardos
Inglórios (2009) ou preservou a era de ouro dos EUA ao impedir a morte de
Sharon Tate em Era Uma Vez em Hollywood (2019), Ryan Murphy reescreve a história para nos mostrar como as coisas
poderiam ter sido melhores se as pessoas em posições de poder em Hollywood
tivessem usado seus privilégios para abrir portas para outros olhares e outras
experiências de mundo. Murphy usa o passado para falar do presente, para
mostrar como certos avanços já foram adiados por tempo demais e que a indústria
precisa reconhecer essas outras vozes.
Misturando histórias reais com personagens
fictícios Hollywood é ao mesmo tempo
um exame da brutal estrutura de poder da indústria do entretenimento e um
lembrete do potencial transformador da arte.
Nota: 8/10
Trailer
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