quarta-feira, 6 de maio de 2020

Crítica – Hollywood




Análise Crítica – Hollywood

Review – HollywoodProduzida por Ryan Murphy, criador de séries como American Horror Story e American Crime Story, a minissérie Hollywood começa como mais uma trama sobre como a indústria do cinema é uma máquina de moer gente. Aos poucos, no entanto, vai se mostrando algo mais e se transforma em uma fábula revisionista que mostra como a arte pode (ou poderia) moldar progressos sociais.

A narrativa se passa na década de 50 e acompanha um grupo de pessoas que chega a Los Angeles com o sonho de vencerem em Hollywood. Jack (David Corenswet) deseja se tornar ator, Archie (Jeremy Pope) sonha em ser roteirista, Ray (Darren Criss) quer ser diretor e Camille (Laura Harrier) quer ser atriz. Eles convergem no roteiro que Archie escreve sobre a vida de Peg Entwistle, uma figura real que tentou ser atriz, mas quando fracassou se suicidou se jogando do alto do letreiro de Hollywood.

A morte real de Entwistle serve para mostrar como a Hollywood da época (e mesmo hoje) era um lugar de sonhos partidos, que pega pessoas ingênuas e as destrói por completo e a jornada dos personagens parece refletir isso. Sem perspectivas de se estabelecer em Hollywood ou conseguir outro emprego, Jack e Archie acabam por se prostituir no serviço comandado por Ernie (Dylan McDermott). Camille consegue um contrato em um grande estúdio, mas por ser negra só é escalada como empregada ou serviçal.

Em seus trabalhos Jack e Archie começam a encontrar figuras grandes ou promissoras dessa indústria, como a chefe de estúdio Avis Amberg (Patti LuPone) ou o ator Rock Hudson (Jake Picking), que é também baseado em uma figura que realmente existiu. A partir daí vemos a lógica pela qual Hollywood opera, não baseada no talento, mas em quem você conhece. A questão, como a série mostra, é que o sucesso também não é só baseado nessa rede de relacionamentos, mas em uma rede que se fundamente em uma lógica de exploração e abuso, com direito a testes do sofá e trocas de favores. Isso fica evidente na relação de Rock com seu agente, Henry (Jim Parsons), que constantemente exige serviços sexuais de Hudson para conseguir testes de elenco para o cliente.

Mais que isso, a trama mostra como Hollywood é um espaço controlado por pessoas brancas heterossexuais que discriminam e constroem estereótipos preconceituosos de pessoas que não se encaixam nesses padrões. A decisão de recorrer a figuras reais entre seus personagens fictícios ajuda a dar a dimensão e o peso dessa exclusão, já que hoje sabemos que Rock Hudson foi forçado a ficar no armário para preservar a carreira ou que Anna May Wong (Michelle Krusiec) era sempre preterida por atrizes brancas, mesmo quando o papel era de uma personagem asiática como aconteceu em Terra dos Deuses (1937), quando uma atriz branca foi escalada no lugar dela para viver uma personagem chinesa.

Desse modo, a série tenta chamar atenção para questões de representatividade e como a falta dessa representatividade contribui para a perpetuação de preconceitos e estereótipos nocivos quando o poder e alcance dessa indústria poderiam ser usados para combater esses mecanismos de exclusão. Cenas como as reações ao Oscar no episódio final mostram o poder que essa representatividade tem e o quanto ela inspira as pessoas, mas em outros há um excesso de didatismo para explicar esses temas, como se os personagens estivessem palestrando ao público, como na cena em que Ray e Dick (Joe Mantello) falam sobre questões de representatividade, o que dilui um pouco a força do discurso.

Imagino que muitos vão dizer que o episódio final resolve tudo de maneira muito fácil e que os resultados dos personagens são pouco críveis considerando o quanto a sociedade estadunidense da época era (ainda é, na verdade) preconceituosa, inclusive porque certos personagens são reais, como Rock Hudson, e sabemos que as histórias deles no mundo real não foram assim. Hudson nunca saiu do armário e sua sexualidade só foi admitida publicamente depois de sua morte. Eu diria, no entanto, que esse é exatamente o ponto do final: o de funcionar como uma fábula revisionista. A ideia já é mostrada no título do episódio “Um Final de Hollywood”, deixando claro que estamos diante de uma fantasia na qual tudo dará certo para nos dar um típico final feliz hollywoodiano.

A arte não tem necessariamente a obrigação de ser realista e se afastar da realidade não torna uma narrativa automaticamente um escapismo alienante. A fantasia e a fábula podem ser usados como mecanismo para mostrar como o mundo poderia ser ou o mundo que queríamos que existisse. Isso é feito não para enganar ou distrair, mas para nos inspirar, para nos lembrar que o mundo pode ser melhor do que é e que podemos transformar a sociedade com nossas ações. Que a arte tem esse poder mover as pessoas, despertar afetos, nos engajar no mundo.

Da mesma forma que Tarantino matou o nazismo no cinema em Bastardos Inglórios (2009) ou preservou a era de ouro dos EUA ao impedir a morte de Sharon Tate em Era Uma Vez em Hollywood (2019), Ryan Murphy reescreve a história para nos mostrar como as coisas poderiam ter sido melhores se as pessoas em posições de poder em Hollywood tivessem usado seus privilégios para abrir portas para outros olhares e outras experiências de mundo. Murphy usa o passado para falar do presente, para mostrar como certos avanços já foram adiados por tempo demais e que a indústria precisa reconhecer essas outras vozes.

Misturando histórias reais com personagens fictícios Hollywood é ao mesmo tempo um exame da brutal estrutura de poder da indústria do entretenimento e um lembrete do potencial transformador da arte.

Nota: 8/10


Trailer

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