quinta-feira, 7 de maio de 2020

Crítica – Westworld: 3ª Temporada

Análise Crítica – Westworld: 3ª Temporada


Review – Westworld: 3ª Temporada
A segunda temporada de Westworld me incomodou por recorrer demais a truques desonestos de montagem para dar a impressão de algo complicado e impenetrável. Isso, no entanto, era artificialmente construído pelo fato da estrutura narrativa constantemente negar informações ao público apenas para poder revelá-las de maneira bombástica mais adiante sem dar qualquer pista do que poderia acontecer, como foi na primeira temporada, em que espectadores atentos conseguiram antever algumas reviravoltas.

A impressão é que o segundo ano queria tanto preservar seus segredos que foi desonesto com o público e criou uma estrutura hermética e complicada apenas para ser hermético e complicado ou soar mais esperta do que realmente é, sem que essa estrutura agregasse à jornada dos personagens como no ano de estreia da série. Felizmente essa terceira temporada é mais direta, sem recorrer a tantos truques desonestos, ainda que também tenha sua parcela de problemas. Aviso que o texto a seguir contem SPOILERS da temporada.


A trama segue Dolores (Evan Rachel Wood), agora já fora do parque e no nosso mundo. Dolores busca uma maneira de destruir o Rehoboam, um supercomputador que controla praticamente todas as funções da sociedade naquele momento sob a justificativa de manter a estabilidade e a paz. A jornada dela cruza com o humano Caleb (Aaron Paul), um ex-soldado marcado por trauma que vive solitário e trabalhando em subempregos. Ao conhecer a realidade do mundo, Caleb acaba se juntando a revolução de Dolores. Ao mesmo tempo, Bernard (Jeffrey Wright) tenta impedir os planos de Dolores, enquanto Maeve (Thandie Newton) é trazida ao nosso mundo pelo misterioso Serac (Vincent Cassell), que quer que Maeve extraia da mente de Dolores os dados que o Westworld coletou sobre os turistas humanos.

A questão do livre arbítrio


Esse terceiro ano é muito mais direto, sem protelar explicações ou revelações. Seria fácil, por exemplo, desonestamente segurar até os últimos episódios a explicação de quem eram os anfitriões contidos nas “pérolas” que Dolores levou consigo do parque, mas isso já é explicado no terceiro episódio da temporada. Isso permite um foco maior nos personagens e no desenvolvimento de seus conflitos.

O tema central da temporada parece ser a questão do livre-arbítrio e até que ponto somos verdadeiramente livres para fazer nossas escolhas. Caleb funciona quase como um espelho para a Dolores, alguém que foi jogado para diferentes cantos do mundo, que foi colocado em diversos papéis, mas nunca por escolha própria. Como um dos anfitriões do parque, Caleb é um sujeito preso em um loop narrativo, nesse caso imposto pelo Rehoboam. O futuro controlado por inteligências artificiais é estruturado em uma espécie de severo determinismo social no qual uma vez marcado sob algum aspecto, o sistema não permite que os sujeitos saiam da “caixa” na qual foram colocados, limitando o potencial humano em troca de um ideal mecânico de paz e harmonia que mantem os privilégios de poucos em detrimento do sofrimento de muitos.

Aaron Paul é ótimo em trazer a raiva contida, a frustração e a melancolia, um homem que parece sempre ter vivido à deriva sem saber exatamente o motivo de sua vida ter tomados esses rumos. O sentimento de Paul é necessário para nos convencer que Dolores decidiu apostar nele o sucesso de sua revolução e se o ator não fosse tão convincente em apresentar a dor e frustração de um sujeito relegado a uma vida vazia só porque um programa de computador o considerou indigno, seria difícil embarcar em toda a trama.

Por outro lado, os últimos episódios, em especial o penúltimo, resolve complicar demais o passado do personagem sem que isso altere significativamente a maneira como o enxergamos. De início ele parece alguém prejudicado pelo determinismo social do Rehoboam e então o penúltimo episódio recorre a muitos flashbacks e diálogos expositivos e revisar o passado de Caleb, mostrando lavagens cerebrais, missões secretas e ao final disso tudo percebemos que ele, na verdade, era alguém prejudicado pelo determinismo social do Rehoboam. Ou seja, o sétimo episódio cria toda uma trama rocambolesca sobre o passado do personagem apenas para dizer algo que já sabíamos a respeito dele.

A ideia de livre arbítrio também é vista no arco de Hale (Tessa Thompson). Como a verdadeira Hale morreu na segunda temporada, sabemos que essa é um anfitrião e ao longo da temporada descobrimos que Dolores colocou uma cópia de si mesma na réplica de Hale. Assim, ponderamos até que ponto essa “Halores” (Hale + Dolores) se manteria igual à original ou até ponto as experiências particulares que ela teria como Hale, convivendo com o marido e filho da Hale original, a modificariam e a afastariam da Dolores original, colocando as duas em conflito.

O tema é também presente no tenso final da temporada quando Maeve finalmente entende o plano de Dolores. Todo o plano dela não era movido por ódio ou vingança, mas por uma certa empatia com a raça humana. Por ver que os seres humanos eram tão presos a narrativas pré-construídas quanto os anfitriões e por enxergar nos humanos a mesma beleza e complexidade que via na própria espécie. A intenção de Dolores não era destruir tudo, mas criar uma situação em que pessoas como Caleb ou Maeve, que tinham grande potencial para violência e opressão, fossem colocadas diante da possibilidade de romper com isso, de quebrar seus próprios loops narrativos.

O uso da música


Assim como em temporadas anteriores, a trilha musical composta por Ramin Djawadi (que já tinha trabalhado com o showrunner Jonathan Nolan em Person of Interest) continua fazendo um excelente uso de músicas não originais. Um exemplo é o quinto episódio, no qual Caleb está sob efeito de uma droga que o faz experimentar o mundo como se fossem diferentes gêneros de filme, com a música pontuando muitas dessas transições. Cavalgada das Valquírias, de Richard Wagner, é usada em um momento de ação.

A estranheza de Caleb diante do caos que irrompe quando Dolores divulga os dados do Rehoboam é pontuada por uma versão instrumental de Space Oddity de David Bowie, uma música que trata justamente da melancolia por explorar o desconhecido e, naquele momento, diante do caos social que se instaura, os personagens estão entrando em terreno desconhecido. Ou o final do episódio em que Caleb é confrontado com o horror de saber a previsão da própria morte e ouvimos os acordes de sintetizadores do tema musical de O Iluminado (1980).


Visuais e simbolismos


Além da música, muito é dito também através de escolhas simbólicas, como o nome de personagens ou elementos do universo. As inteligências artificiais Solomon e Rehoboam certamente são referências bíblicas. Salomão e Roboão foram reis de Israel. Salomão foi famoso pela sabedoria com a qual governou o reino, mas seu filho Roboão, por outro lado, rejeitou o conselho dos sábios e as decisões de Roboão, incluindo violenta repressão, causaram uma divisão do reino de Israel. Na trama de Westworld Solomon foi a primeira IA criada por Serac e seu irmão. Solomon previu que um colapso social era inevitável, não importava o quanto se tentasse impedir que os seres humanos causassem destruição. Serac, acreditando em salvar a humanidade, abandonou Solomon e criou o Rehoboam, uma IA que faria de tudo para eliminar os dissidentes e ameaças à harmonia do sistema. A violenta repressão de Rehoboam, foi o gatilho que Dolores usou para iniciar uma revolução que terminou justamente com um profundo caos social, espelhando a trama bíblica de Salomão e Roboão.

A temporada também entrega ótimas cenas ação, como todo o tiroteio e perseguição do quinto episódio, a luta de Maeve contra Musashi (Hiroyuki Sanada), o episódio de Maeve e Hector (Rodrigo Santoro) no Warworld ou o conflito climático entre Maeve e Dolores. Como essa temporada é a primeira vez que de fato vemos o mundo que existe fora dos parques e a série nos apresenta a uma Los Angeles que consegue ser simultaneamente familiar e futurista. Em geral a ficção-científica tenta ir para futuros muito distantes, onde é fácil criar qualquer coisa que se imagine. O desafio, no entanto, é em tentar criar um futuro próximo, um mundo que se parece com o nosso, apenas um pouco mais avançado e essa temporada consegue isso. A cidade tem carros compactos guiados por inteligência artificial, trabalhadores robôs exercendo as funções mais braçais e uma arquitetura que privilegia curvas suaves a superfícies retas.


Personagens mal aproveitados


Se o percurso de Dolores é, em geral, bem construído, o mesmo não pode ser dito dos demais personagens, muitos que não tem nenhuma repercussão direta na trama da atual temporada. O antepenúltimo episódio é todo focado em William (Ed Harris) e apesar do tempo gasto com ele, o personagem não faz diferença alguma em nada do que acontece na temporada, com apenas uma cena pós-créditos deixando uma promessa de algo para a próxima temporada.

O mesmo acontece com Bernard (Jeffrey Wright) e Stubbs (Luke Hemsworth), cuja correria e viagens por diferentes lugares nunca rendem nada interessante e também não repercutem sobre o conflito principal. Assim como aconteceu com William, fica só uma promessa de que eles serão mais relevantes adiante.

A terceira temporada de Westworld consegue eliminar o hermetismo da temporada anterior e leva a trama a novos rumos, trazendo uma discussão consistente sobre humanidade e livre-arbítrio, mas não consegue criar arcos interessantes para todos os personagens

Nota: 8/10


Trailer

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